Eu não sei como não começar este texto de uma forma clichê e piegas, pois você sempre foi minha maior certeza, meu centro. A única coisa terrena que me fazia querer acreditar em destino e em eterno e em todas essas coisas das quais a gente não tem nenhuma garantia. E todas as minhas dúvidas se resumiam a um medo descomunal de te perder. Era sempre 'o que fazer se ele partir? A quem amar se ele se for? O que mais esperar se ele não for a coisa certa nessa vida?'. Mas nunca te deixar foi uma opção, nunca partir passou pela minha cabeça.
Mas, sabe, pensar em todas as outras possibilidades me fez pensar se eu estava perdendo algo. Do que eu poderia sentir falta?
Eu sou uma criança amedrontada e, por isso, fins, términos, rupturas nunca foram atraentes pra mim. Mas elas seriam apenas o início do caminho necessário que levaria para o novo, o desconhecido: de novo as mãos suadas; outra vez não saber o que dizer; outra vez o frio na barriga e a voz tremendo ao telefone; outra vez a expectativa, a paquera, os olhares indesvendáveis. Aparentemente era isso que eu parecia estar perdendo: a emoção do primeiro olhar, do primeiro sorriso, do primeiro sinal. Do primeiro beijo.
Mas hoje, depois de tanto tempo, eu me dou conta: eu não perdi nada. Você tem ideia de quantos primeiros beijos nós tivemos?
Você se lembra do primeiro, primeiro? Nós dois sentados na escada, o barulho abafado da festa e você meio bêbado, meio empolgado, sendo carismático e fazendo piada. Eu te perguntava se estava tudo bem, se você estava bem. Você jurava que sim e, em seguida, começava a acompanhar em voz alta a música no fundo: uma grande contradição, risos. Mas você estava melhor do que nunca. Eu só te perguntava se estava bem pra ressaltar a minha preocupação com tudo o que dizia respeito. Você às vezes segurava a minha mão, às vezes dançava comigo, às veze falava no meu ouvido, e eu já estava desistindo do momento em que você iria me beijar. Foi no fim da noite: você já estava menos alterado e foi me acompanhar até em casa. Pegou na minha mão, fez carinho no meu cabelo, beijou meu ombro e eu me derreti. A sensação é indescritível. E então você me beijou e aquela rua parecia ser o melhor lugar do mundo. Aquela calçada parecia o paraíso. E eu parecia estar te amando.
Você se lembra do primeiro beijo depois que me pediu em namoro? Não faz sentido na minha cabeça, mas aparentemente o meu 'sim' foi uma surpresa, porque eu me lembro bem a urgência com que você pressionou seus lábios contra os meus. A sua inquietação se espalhou pelos seus braços, por sua língua, por sua respiração e por mim. Você ofegante prendia meu corpo junto do seu, e seus dedos ávidos perpassavam minhas costas, meus cabelos, meu rosto, meus lábios, meu pescoço. Nunca tanta sede, nunca tanto ardor. E eu nunca tão entregue.
Você se lembra do primeiro beijo depois de casados? Sim, aquele na igreja, em frente a todos. A demonstração máxima de que nos escolhemos mutuamente pra passar o resto das nossas vidas. Não porque parecesse fácil, não porque parecesse óbvio. Mas porque queríamos. Tanto que estávamos dispostos a tentar, dia após dia, pelo resto de nossas vidas. As minhas pernas estavam bambas, eu parecia ter me transportado para uma realidade paralela. O momento era surreal. E o seu beijo foi tão fiel, tão doce, tão cheio de certeza, que sedimentou toda a minha inquietude. De repente calmaria, de repente afirmação, de repente ausência de medo do que estaria por vir. E eu de repente tão sua quanto de mim mesma.
Você se lembra do primeiro beijo depois que eu te contei que estava grávida? A minha excitação me fazia rir descaradamente ao mesmo tempo em que eu chorava desconsoladamente. Uma mistura de desconhecido e de chão firme. Algo pra que você nunca está preparado mas que você sempre espera acontecer. E ali estávamos nós, dividindo um presente tão meu quanto teu. Então você chorou junto, riu junto, e me beijou com demora, com ternura, com calma e serenidade. Um beijo que dizia algo como 'não tenhamos pressa, temos o amor à nossa disposição, o tempo a nosso favor, e o nosso final feliz está apenas começando'. E nós dois fazendo o tempo se curvar diante de nós.
Você se lembra do primeiro beijo depois que a nossa filha saiu de casa e foi fazer faculdade? Nós a tínhamos deixado na cidade e voltávamos de carro. Você se concentrava em dirigir enquanto minha mente turbilhonava pensando em tudo aquilo: na distância. Na saudade que, imposta, parece vir mais violenta. No aparente abandono. Na fragilidade da nossa menina. Na força da nossa menina. A minha mente estava tão saturada que eu só notei que eu estava soluçando quando você desligou o motor após parar o carro no acostamento. Você tentou conversar, você tentou racionalizar, você tentou fazer piada, aliviar. Mas foi só quando você beijou minhas mãos, depois meus braços, depois meu ombro, e meu pescoço e, enfim, a minha boca, foi que eu entendi que não havia nenhum outro lugar para eu estar no mundo que não aquele carro e aquela estrada e aquele momento e aquele amor e aquela vida. Nós nunca tão eternos.
Amor, esses são apenas alguns dos nossos primeiros beijos, e eu poderia relatar tantos outros, mas vou parar por aqui, porque você já está olhando pra mim com suas rugas, sua graça e seu olhar de desconfiança enquanto eu escrevo este texto. E agora eu quero te dar o primeiro beijo do dia depois de escrever sobre você.