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sexta-feira, setembro 27, 2013

Comunicação Não-Violenta

Para quem tiver a oportunidade, recomendo fortemente uma pausa para a leitura:

Esse texto fala sobre como estamos habituados a nos comunicar de forma violenta, e de como isso nos impede de nos conectar efetivamente com as pessoas. É preciso entender que respeito e compaixão são necessários mesmo, e principalmente, quando se discorda de algo ou alguém. Quando alguma necessidade/desejo não nos é atendido ou saciado, nós muitas vezes reagimos de forma agressiva com o outro e - por que não? - com nós mesmos.
Usamos um esquema de culpabilização, seja das circunstâncias, do outro, ou de nós, ao invés de assumirmos responsabilidade por nossa parte em cada acontecimento. Ao fazer uma análise clara e detectar qual é a nossa participação naquele resultado, porque não sermos transparentes quanto a isso e fazermos algo para mudar? É muito fácil culpar o outro, ou culpar a si mesmo e pedir desculpas vazias, e assim encerrar um assunto ou discussão. Mas com essa atitude nós não estamos nos conectando nem enriquecendo nossas relações, e sim fugindo daquilo que realmente nos aflige, pois evitamos nos aprofundar em uma discussão aparentemente densa, em busca do que foi que de fato gerou insatisfação.
Para isso nós precisamos exercitar honestidade e leveza. Honestidade para reconhecer a nossa participação e assumir diante dos outros o papel exercido por nós, sem que isso signifique culpa, vergonha ou punição. E leveza para dizer ao outro aquilo que, nele, nos atinge, incomoda, sem que isso pareça uma acusação ou ameaça. Os conflitos devem ser resolvidos, ou não seremos nunca capazes de nos relacionar intimamente com ninguém, já que toda e qualquer relação humana resultará, com maior ou menor frequência e em maior ou menor grau, em conflito, e se nossa única reação for a fuga, nunca formaremos um vínculo efetivo.
Parte da tentativa de agir com leveza tem, creio eu, a ver com evitar generalizações ou reducionismos. Só porque alguém agiu de forma egoísta por um momento, não quer dizer que tal pessoa seja sempre autocentrada e incapaz de agir com generosidade. Por isso, seria bom evitar pensamentos reducionistas, taxativos, que desconsideram a possibilidade de se reverter um comportamento. Até por que esse tipo de discurso não abre muito espaço para se acreditar que maus hábitos podem com esforço, sim, morrer, ou para aceitar que o ser humano mais “erra” do que “acerta”. Isso sem falar de que, quando julgamos, o fazemos de acordo com a nossa perspectiva. Tudo começa com a NOSSA projeção do que seria um comportamento ideal vindo do outro. E quando o outro age de determinada forma, acreditamos que ele age motivado pelas mesmas forças que nos movem, quando na verdade o outro tem motivações e impulsos diferentes dos nossos.
Ao se comunicar, o alvo não deve ser encontrar um responsável, culpabilizar alguém, e sim achar um modo de reverter uma situação ou comportamento. Um clima hostil com tom de ameaça e de provocação podem minar totalmente as chances de que as relações evoluam de forma benéfica. Franqueza, empatia e compaixão podem nos ajudar a nos colocar de forma mais humana diante do outro, e fazê-lo baixar a guarda e, em retorno, se comunicar de forma amistosa, favorecendo assim uma relação saudável e construtiva.
Por fim, vale lembrar que mudança de comportamento exige muita autoanálise e observação de si e do que está ao redor, além de vontade genuína e esforço contínuo.

Quases

Se eu pudesse resumir nós dois em uma palavra, seria essa. É que a nossa história foi uma curta e intensa sucessão de 'quases'. A começar pelo começo que foi por pouco. Foi bem entre aqueles dois minutos de eu e você, exatamente ao mesmo tempo, esperando o elevador, que a gente começou. Eu estava meio bêbada, como quase nunca fico, e você carente, como quase nunca está. Uma implosão de acasos resultou nos seus lábios sobre os meus de uma forma incerta e tímida. Você quase me ligou no dia seguinte, mas não me ligou porque ainda era cedo. Dias depois a gente se esbarrou em uma festa qualquer e você quis me beijar. Eu quase disse que não, mas cedi. Depois disso a gente passou a se ver com frequência. Eu quase disse que era melhor não, mas nunca disse. Você quase me avisou que nunca daria certo, mas não o fez. E então a gente mergulhou um no outro. Mas não por inteiro. Só quase. Como quem nada sem afundar a cabeça dentro d'água, sabe? Era quase ótimo. Era quase verdadeiro. Você quase gostou de mim e eu quase quis acreditar. Mas a gente nunca realmente chegou lá.
Todo o dia era quase o fim, mas nunca era. Então tudo foi crescendo até quase virar algo grande, e a gente se viu prestes a atravessar a linha. Eu quase mudei por você e você quase enfrentou o mundo por mim. Mas na hora H, a gente viu que não era assim tão adulto, só quase... então a gente calou a boca e o espírito e voltou pro nosso confortável quase, que não precisa 'sim' nem 'não', onde tudo é devagar e sem pressa. Onde tudo pode ficar pra depois, afinal, ninguém sabe mesmo o que vai ser, não é mesmo? E aí a gente esperou esperou, até que o quase foi diminuindo e se acabando, e até que ele se tornou tão fraco que você foi levando suas coisas embora do meu apartamento, e eu fui tirando suas fotos do meu celular, e até que a gente quase não se via, quase não se falava, e enfim, assim, quase mesmo sem doer, o nosso quase virou nada. Só um quase: nada digno de se lembrar.

quarta-feira, setembro 04, 2013

Aquela música era sobre você*


O ano era 1990 quando eu assisti a este por-do-sol pela primeira vez. Eu tinha quatorze anos. Eram as férias de dezembro. Estávamos longe de ter imóveis no litoral. Nestas férias que sofri o acidente submarino que me concedeu inúmeras perfurações no tímpano direito, uma cirurgia com problemas pós-anestésicos e diminuição da capacidade auditiva. Lembro muito bem de tudo. Eu acordava, comia muitos pães com qualquer coisa dentro, bebia um copo gigante de Nescau (não era esse horrível 2.0) e ia apressado para a praia. Lá eu ficava o dia inteiro. Acredito que meu corpo cansava de produzir melanina - não tinha mais espaço para a molécula da melanina nas células. Todo dia, o dia inteiro era feliz. Eu e o mar e os colegas que insistiam em atravessar a arrebentação com o filho de Poseidon. Como eu disse, lembro muito bem de tudo. Quando o dia ia terminando e o sol caminhava para a morte meu humor sofria alteração significativa. Eu saía do mar, me secava, pegava meu walkman (de fita cassete), sentava a uma distância segura de todos de modo que eu não seria importunado e me sentisse próximo e "dava play". A música que tocava era sempre a mesma porque eu sou assim - ouço sempre as coisas que já gosto e se ninguém me apresentar nada novo, tudo bem. Como eu disse, lembro muito bem de tudo. Quando eu saía do mar e me afastava com os fones nos ouvidos, o fazia porque sentia um vazio dentro de mim. Um vazio estranho. Eu não chorava, não me emocionava. Apenas sentia um vazio e ficava vendo o sol morrer de novo. Eu não estava apaixonado. Era como se eu estivesse. Era como se algo me faltasse e eu passaria a vida sem saber o que era. A música que eu ouvia pedia-me paciência. Falava sobre sentir falta, sobre chorar de saudade, sobre um futuro certo e bom, sobre não podermos acelerar o tempo, sobre não fingir, sobre não romper, sobre não suportar a dor do afastamento, sobre precisar de alguém. Alguém. Mas quem? O ano era 1990! Tudo que eu fazia era estudar e ir à praia com meus pais... Os anos se passaram e eu conheço este por-do-sol há vinte e quatro anos. Duas décadas e meia, quase. Desde dezembro de 1990 que não lhe assisto ouvindo aquela música. No sábado passado, 31 de agosto, eu saí sozinho de casa só para assistir ao meu por-do sol preferido. Não, não ouvi aquela música e não me senti vazio. Eu senti saudade, pela primeira vez neste por-do-sol, e entendi o que aquela música quis me dizer há vinte e quatro anos.

*Texto de Angelo Amaral

segunda-feira, agosto 05, 2013

Casa

Cada canto que eu arrumava eu pensava ser só mais um canto frio que nunca chegaria a te conhecer. Cada lugar, cada prateleira daquelas nunca iria sentir o seu cheiro, ou ouvir as suas graças, o seu vocabulário inadequado ou tudo o que você diz querendo chocar. Aquelas paredes não conheceriam sua voz. Os novos lençóis nunca experimentariam o seu calor. Nunca mais a gente deitados, entrelaçados, conectados. Aquele chão, aquelas paredes, aquele chuveiro: eles nunca conheceriam a gente fazendo amor. Pra sempre, agora, um pouco de pressa, na espera pelo momento em que tudo isso vai passar. Em que tudo isso vai deixar de ser.
A casa que eu deixei tem o seu cheiro e a sua cara e as suas memórias. Eu entrei quase ao mesmo tempo naquela casa e nessa nossa história.
E agora eu simultaneamente deixo ambos para trás. E nem um nem outro foi tanto assim por escolha.
É só que a gente precisa saber a hora boa de partir. A gente precisa entender quando aquele lugar deixa de nos pertencer. Aquela casa me abrigou, mas nunca foi minha. Foi abrigo, mas nunca foi lar. E assim foi você. Você me cercou. Você me tocou. Me prendeu e me teve. Mas nunca foi meu lar.
Eu confesso, eu nunca fui capaz de te olhar e me sentir em paz. E nossos finais repetidos e insistentes nunca me pegaram de surpresa. É que eu bem sei o caminho das coisas. A gente pode serpentear, pegar a estrada mais longa e parar no acostamento enquanto o tempo passa. Mas há algo logo ali na frente que nos espera. Um final frio, feio e impiedoso. É que seu coração, menino, ele não sabe perdoar. E isso ainda vai te custar muita leveza.

quinta-feira, agosto 01, 2013

O medo da armadilha*


Suas mãos atadas, o sorriso no rosto e o cheiro do seu abraço. te confesso, menino, que seu beijo tem gosto de torta de amora e que eu não quero sair dali, mesmo querendo. e que se você me liga, eu atendo não querendo querer. porque eu te conheço e sei bem do que é capaz. fará de tudo por mim se me amar, mas se um deslize no seu sentimento houver, você logo me cospe, me trai e me amordaça. eu sei, menino, que você é movido por paixão e por prazer. e que isso tudo que você faz e que é parte de quem você é, é uma armadilha pra me envolver. é tudo bom demais pra eu viver em paz, porque se eu sinto prazer na tua companhia é porque você me inquieta e bagunça meus hormônios e neurônios e me deixa assim, feliz, sorrindo com suas mensagens bobas e seu ciúme disfarçado de piada. eu sei que vai acabar. eu sei que eu nunca vou ficar com os dois pés alinhados, vai ter sempre um mais atrás. eu sei que isso é uma armadilha, porque tudo isso é bom demais pra ser real por tanto tempo. e enquanto isso durar eu vou me manter atenta, pra você jamais achar que eu sou boba, meu amor, porque eu não sou. eu vivo a gente e eu vivo o medo, mas eu tô vivendo, e você que tá armando isso tudo?


*Texto de Karolina Figueiredo

domingo, maio 26, 2013

Ausência*


[...] Me lembro de te oferecer café da manhã na cama e de você rejeitar porque estava perto da hora de partir. Eu me lembro de travar meus braços e pernas em volta de você e em seguida dizer 'ok, pode ir'. E você ria, porque você queria que eu dissesse, com palavras, que tudo o que eu mais queria era que você ficasse um pouco mais o tempo todo, pra sempre.
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Hoje o dia passou e eu senti falta de [...] como você se esquecia - e me fazia esquecer - de um mundo inteiro de verdades obscuras e inadiáveis que nos aguardavam de forma categórica.
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Eu te pedi pra ir, mas de ti guardei algo comigo: hoje eu dormi abraçada com sua ausência.


*Trechos de Ausência

quinta-feira, maio 23, 2013


"They call you heartless; but you have a heart and I love you for being ashamed to show it."

Nietzsche

sexta-feira, maio 03, 2013

You got a stone where your heart should be

Menina, eu me acostumei ao teu olhar. É que tanto tempo vendo esse olhar leve e ansioso por rir de algo, isso é o mais perto que eu consigo chegar da paz. E esses seus olhos me despiram. Me despiram de mim mesmo e me fizeram querer te amar. E eu tentei te amar. Insistentemente. Mas eu nunca tive realmente a chance.
O tempo todo você teve medo de sair do controle, mas isso nunca foi um problema, porque você tem uma pedra onde seu coração deveria estar. Mas, mais do que isso, o tempo todo você teve medo de que eu te amasse. E eu quis te amar, menina, como eu quis. Mas você insistia em ser racional e repetia todos os motivos pelos quais não era pra ser. Eu queria que você, assim como eu, se entregasse por inteiro, mas você vivia repetindo que queria porque queria o controle de si. Eu quis ser seu, menina, mas você estava muito determinada a não possuir ninguém. Eu quis mudar por você, mas você estava ocupada demais desacreditando do que o amor é capaz. Eu quis me manter por perto, mas você vivia me afastando dizendo que as coisas estavam indo rápido demais - e lá tem hora certa quando tudo se trata de um chute no escuro?
Eu te chamo de menina, mas a verdade é que a sua alma é velha e cautelosa, como quem espera o pior a qualquer hora. Você mal passou dos vinte, mas parece que faz bem mais de oito décadas que você não sabe o que é fechar os olhos e se deixar levar. A sua racionalidade te atou os pés no chão, te deixou covarde. Você não sabe mais sentir o que não tem explicação. Você teme tudo o que te sai do controle e, por isso, menina, você teme a vida.
Eternamente condenada por sua pressa em acertar.

quarta-feira, abril 10, 2013

Distrações

E foi dentro de um trem, com uma passagem na mão, uma mochila nas costas e meus sonhos, que eu te vi pela primeira vez. Nós tínhamos em comum muito mais do que o destino a que o trem nos levava: tínhamos em comum a vontade de descobrir o mundo. E medo. Muito medo de tudo o que poderia dar errado.
Aquela passagem nas minhas mãos representava muito mais do que a passagem para uma outra cidade: era a minha chance de entrar numa nova e determinante etapa da minha vida. E foi ali, no meio de tanta confusão mental, que eu te encontrei.
Você sabe, garoto, que eu tenho dificuldade de conversar com estranhos? Não sabe, não é? É que eu tenho preguiça de conversas superficiais. Eu tenho um profundo desinteresse em socializar. Mas, de repente, estávamos eu e você falando de sonhos e da vida e do futuro e de probabilidades e de tantas outras coisas, assim, sem esforço algum, por horas a fio, até que a viagem terminasse e nós fôssemos obrigados a nos despedir. E eu disse adeus desejando - assim, de leve - que não fosse aquele o momento em que você sairia definitivamente da minha vida.
Ironicamente, a vida te colocou outra vez no meu caminho. Mais ironicamente ainda, você pareceu gostar. E nada como a madrugada para aproximar duas almas notívagas.
Por algumas vezes, deixei de lado minhas obrigações, meu sono e minha serenidade pra falar contigo - é que você me deixa assim, alvoroçada. As nossas conversas, tão íntimas e cheias de entrega, me fizeram sentir vontade de amar alguém pelo diálogo honesto e pela sintonia. Vontade de querer bem alguém sem estorvos, dúvidas, angústias.
O seu rosto, a sua voz e as suas mãos começam a se desenhar como sendo meu ponto de equilíbrio. É que há muito tempo eu venho tropeçando, esperando por um ponto na estrada em que eu possa repousar. Me deixa repousar no seu colo e na sua voz? E se eu também sou aquilo que você estava esperando eu te digo:
Vem. Eu te espero nessa cidade com minha solidão e minhas expectativas. Vem, que eu estou disposta a dividir com você o meu tempo, os meus lugares, os meus amigos e o início de um sonho.
Traz numa mala os seus medos, as suas inseguranças e os seus desvios, que eu te ajudo a lidar.
Eu nunca soube como fazê-lo, mas, meu bem, por ti eu estou disposta a tentar.

segunda-feira, abril 08, 2013

Cuida dela*


Rapaz, diz pra ela que o meu bom dia ainda é dela. E que, se der, outro dia a gente se esbarra e eu levo umas flores pra ela. Faz dela um porto inseguro pra não se deixar levar pela rotina da maré calma. Beija o nariz dela que ela acorda na mesma hora e ainda dá uma espreguiçada com um sorrisão de partir o meu coração por não poder mais acordar ao lado dela. Ô rapaz, cuida dela com ternura. Essa garota precisa de alguém com tempo e com todo o coração do mundo pra entender a alma dela. Deixa ela descansar a cabeça no seu ombro, mesmo que você sinta um pouco de medo de se mexer. Eu nunca consegui ficar quieto com ela do lado.
Diz pra ela que ela é meu sonho bom. E que vai ser dureza não ter ligação nenhuma no meu celular pra responder. Coloca um toque personalizado, mas não escolhe nenhuma música especial pra vocês dois, rapaz. Puxa pruma valsa que ela sabe dançar bem demais. Ela tem um jeitinho de fugir dos meus braços que dá gosto. E não cai na armadilha dela, não. Se enroscar no pescoço dela é perigoso porque você pode ficar ali por tempo demais e se esquecer de olhar bem nos olhos dela. Diz pra ela que eu sei que eles não são castanhos, rapaz. Os olhos e ela são doces como mel. Dá pra sentir no gosto do primeiro beijo na chuva. E carrega sempre um remédio pra alergia na carteira. Dá pra prevenir os olhos dela de lacrimejarem por algum motivo bobo. Cuida bem pra ela não chorar, viu?
Diz pra ela que eu guardei os ingressos do nosso primeiro cinema e que ontem tava passando o filme na Sessão da Tarde. Pergunta se ela viu e se lembrou de mim durante os comerciais. Pergunta se ela ainda discute Godard com alguém ou se gostou de algum blockbuster recente e não quis confessar. Rapaz, ela sabe de tudo no mundo. Puxa assunto com ela, mas não deixa o silêncio consumir vocês dois. Ela é tagarela demais – e boa coisa não é se ela começar a ficar quieta. Aquieta o rosto no colo dela e deixa uma barbinha rala pra ela sentir cócegas. Ah, você faz bem em levar dois edredons pra cama porque senão corre o risco de passar frio. Ela é meio egoísta durante o sono. Diz pra ela que eu sinto falta das conchinhas e que até parei de reclamar da dor nos braços. Abraça forte sempre que der e escreve uns poemas também.  Garanto que ela vai te inspirar a escrever um livro inteiro.
Ô rapaz, diz pra ela que eu soluço só de pensar em como vai ser daqui pra frente e que o meu norte foi embora junto dela. E diz também que eu reconheço que ela deve ser mais feliz com você do que comigo. Diz que eu não me conformo, mas vou tentar pensar nisso como um desvio de percurso – e que, até a gente se reencontrar, eu vou tentar garantir a felicidade dela por meio de umas dicas e recomendações que eu vou dar pra você. Ela gosta de beijos molhados e pouca agilidade na hora de se despir. O suor dela tem um gosto bom, rapaz, então não precisa – e nem pode – ter nojinho com ela. Compra cerveja ao invés de vinho e põe o chinelo dela na entrada pra ela se livrar logo do salto quando chegar. Não trabalha muito até tarde porque ela vai depender de alguma atenção sua pra ter certeza de que fez uma escolha justa em me deixar. E fala sobre música, sobre algo de blues e jazz e deixa ela sentar pra tocar piano naquele restaurante grã-fino dos Jardins. Diz pra ela que eu aprendi uma partitura pra poder me lembrar dela.
Cuida bem dela e diz pra ela que um dia a gente se encontra se ela resolver que dá pra ser feliz aqui. Mas se ela preferir ficar por aí, faz dela o seu grande amor, rapaz. Diz pra ela que a solidão só anda doce porque eu ainda penso nela. E dá um beijo de boa noite na testa dela por mim, rapaz. E não precisa dizer nada depois disso. Ela vai fechar os olhos e se lembrar de mim.

*Texto de Daniel Oliveira, originalmente publicado no blog Entre Todas as Coisas

quarta-feira, abril 03, 2013


"And though you are right, I've been looking as well, babe, I'm not looking for you.
(...) And the one thing that keeps me from falling for you is I'm truly alone and I like it."

segunda-feira, abril 01, 2013

Promessas que eu nunca quis ouvir

Se tem uma coisa que me dá asco e medo e preguiça e me irrita e me deixa com os dois pés atrás é essa mania que as pessoas têm de te dizer algo só porque acreditam que é o que você quer ouvir. Não é que fosse preciso dizer algo, não é que você tivesse perguntado, não é que o silêncio precisasse ser quebrado. A pessoa simplesmente decide, por uma razão frouxa e rasa, te dizer palavras que, insinceras, têm o objetivo de mobilizar ou te comover, te tornando um pouco mais dependente emocionalmente, te prendendo ali naquela realidade. Decide, mesmo que a base de tudo isso seja enganosa, mesmo que as palavras sejam insidiosas, mesmo que não haja nem um pouco de verdade ou de entrega em nada do que foi dito. A única intenção real por trás de tudo isso é alimentar um jogo de sedução não-declarado, onde vence quem é mais frio e capaz de trazer o outro pra brincadeira sem se envolver, saindo, ao fim, ileso.
Por que as pessoas tem essa mania de achar que pedir por franqueza e transparência é como pedir por comprometimento? Por que essas não são coisas naturais a todo tipo de relação?
Por favor, não venha me fazer promessas e me oferecer afeto achando que você sabe o que eu quero ou do que eu preciso. Não venha me dizer coisas agradáveis achando que é o único capaz de fazer eu me sentir bem. Não me elogie com esse tom de como se estivesse me fazendo um favor, como se eu tivesse esperado a noite inteira por isso. Não faça nada disso se não for sincero e legítimo. Acredite: você se assustaria com o quanto eu posso ser autossuficiente. Você se espantaria com quão cética eu posso ser diante de demonstrações de afeto e de palavras dóceis e de posturas surpreendentes. Eu racionalizo todas elas e tendo a catalogá-las como evasivas, vazias e superficiais.
É que eu não sei ler as pessoas. Esse talvez seja o meu maior erro nessa minha pose de tão analítica: eu não sei analisar as pessoas isoladamente. Apenas os padrões comportamentais. Então no fim, na minha cabecinha, é tudo uma questão de probabilidade.
E o mundo está tão cheio de pessoas frias e vazias e rasas que é uma simples questão de probabilidade que tudo isso que você diz seja simplesmente um bando de baboseira cuspida em cima de mim de forma descuidada pelos mesmos lábios que querem apenas tocar os meus como único objetivo final.



domingo, março 24, 2013

Desde o fim do mundo até quem somos nós

As pessoas olham pra mim e elas simplesmente não entendem o que eu estou fazendo aqui. Elas me julgam inocente, incauta, ingênua, até mesmo passional. Elas temem por mim, temem que eu esteja metendo os pés pelas mãos. E talvez eu até esteja mesmo me arriscando demais. Eu já cruzei algumas linhas, já ultrapassei alguns limites que eu impus a mim mesma.
Mas o que nenhuma dessas pessoas faz ideia é que eu só cheguei até aqui porque eu não aposto em nada disso. Eu nunca apostei. Nunca acreditei que isso poderia dar certo.
É como água e óleo, como inverno e verão, como dia e noite, e como muitos outros clichês que eu poderia citar mas a noite não me deixa. São antitéticos. Não se misturam. Não coexistem harmonicamente.
Olhar pra isso e entender que é só uma questão de 'quando' até que chegue o fim, que parece categórico, não me permite estar entregue. Por mais que eu me envolva, por mais que eu me permita, por mais que eu deixe um pouco de lado minha racionalidade e pegue carona nas minhas sensações, eu nunca estarei entregue. Nunca.
Passam-se os dias e as semanas, e eu não baixo a guarda. Minhas mãos podem serpentear, meus pés podem vacilar, minha boca pode implorar, meus desejos podem vir à tona. Mas meu cérebro continua fazendo seu trabalho. Ele continua avaliando cada passo, colecionando os fatos, arquivando cada palavra dita, quer estejamos sóbrios de sensações, quer não.
Se houvesse uma chance, se existisse uma possibilidade que pudesse depender de mim, eu não estaria arriscando tanto por algo tão perigoso. Mas eu não vejo uma sequer. E isso me poupa de todo o padecimento mental e dos diversos 'eu poderia ter tentado mais', 'eu poderia ter feito melhor'. Isso me isenta de toda culpa ou responsabilidade. Estamos fadados ao fim, e isso independe de mim. Então não sinto culpa  a cada vez que reajo de forma cética às palavras que ouço. Não sinto culpa nas vezes em que duvido de quase tudo. Nem sinto culpa nos momentos em que eu só consigo esperar o pior.
Algumas pessoas me perguntam 'por que sim?', outras me perguntam 'por que não?'. E eu só me pergunto 'até quando?'.

"Quando o pouco quero e nada mais, e se falta muito, tanto faz. E eu me pergunto, até onde? Onde cabe o mundo, e tudo cabe a nós, onde meu corpo te exige sem pseudônimos; Mas eu me pergunto, desde quando? Desde o fim do mundo até quem somos nós, desde o mais obscuro desejo até a podridão do ser; quem doeu profundo, quem aprendeu amar, quem mentiu por vergonha, ou perdoou por conveniência; Enquanto a luz apaga e arrasta junto todas as horas em frente ao espelho, o que sobra é a assustadora escuridão que só faz exibir a verdade e o desespero de quem já não sabe esconder. [...] E eu me pergunto, até quando? Pra sempre e até, enquanto durar a madrugada."

quarta-feira, março 13, 2013

Alvoroço

Ei, garoto, eu te observo e te vejo sempre inquieto. Suas mãos estão sempre ansiosas, sua respiração é sempre pesada, seus pés parecem não poder repousar e seu falar é impaciente. Seus olhos estão sempre buscando algo. Seus olhos parecem gritar algo.
Você soa tão passional.
Talvez seja por isso que tantas vezes eu pensei que você tivesse algo a dizer. Talvez por isso tantas vezes eu fiz silêncio esperando que você colocasse pra fora um pouco de si, que você vomitasse um pouco dessa sua ansiedade.
Talvez por isso eu sempre achei que você estivesse me escondendo algo.
Mas e se o que você tanto esconde aí dentro que parece querer explodir de dentro pra fora for você? E se até agora eu não faço ideia de quem você é?
E eu te pergunto: O que você tanto busca? O que os teus olhos clamam tão avidamente?
Me diz, garoto: a sua inquietude vem da alma?

terça-feira, março 12, 2013

Sobre amor e definições

Toda vez que deparo com frases do tipo 'fulano não sabe o que é amar', 'o nome disso não é amor' ou coisas do tipo, volto a deparar com a certeza de que a definição de amor é superestimada. As pessoas - eu, inclusive - que saem por aí apontando que isso ou aquilo é ou deixa de ser amor não percebem que elas estão julgando o sentimento do outro de acordo com a sua verdade, que é intransferível.
A interpretação mais próxima do que eu posso chamar de verdadeira e reveladora que eu já tive sobre isso é que amor, esse termo genérico e sem definição, é a palavra mais acessível que as pessoas encontram pra nomear os afetos mais acolhedores, as paixões mais arrebatadoras, as relações mais transformadoras, os sentimentos mais complexos que já viveram. Um nome, infinitas definições, como já dizia Lucas Silveira e seus Ianomamis e suas canoas.
Uma das consequências disso é que o conceito de amor se reinventa e se ressignifica.
É por isso que agora soa tão bobo pra você que algum dia você tenha se apaixonado por aquela garotinha só porque os seus olhos eram azuis e a sua fala era mansa, e que tenha sentido o peito doer porque a viu segurando a mão de outro garoto enquanto atravessava o pátio da escola.
É por isso que agora soa ridículo que você tenha enchido um caderno de composições sobre aquele cara mais velho do ensino médio que gostava de heavy metal, e que tenha enfrentado sua mãe, pintado seu cabelo de roxo, mudado seu guardarroupas e seu estilo musical, só para agradá-lo.
É por isso que agora você não entende porque é que você, já adulto, sofreu tanto ao fim do seu último relacionamento, e já mal se lembra do que foi que te prendeu ali por tanto tempo.
É que amor muda de conceito, muda de cara, muda de requisitos.
É por isso que você jamais namoraria uma pessoa que não sabe o que quer da vida, mas amanhã você esbarra em um cara qualquer que quer viver um dia de cada vez sem se prender a nada, abraçando cada experiência que a vida oferece e aceitando riscos diariamente, e de repente acha tudo isso um charme; acha que ele é a pessoa que veio pra equilibrar você, a sua mania de planejamento e o seu comportamento tão metódico.
É por isso que você não planejaria passar a vida ao lado de alguém com planos muito diferentes do seu, mas de repente você conhece alguém que te faz ter coragem de largar tudo e ir pra outro país pra enfrentar a perna bamba e o desconhecido, porque amor como esse só se encontra uma vez na vida.
E amor é isso, é que nos movimenta, o que nos mobiliza. Sem obrigação de ser eterno, sem pretensão de ser justificável. O amor que cada um sente fala um pouco de si, diz um pouco sobre quem somos e sobre como nos relacionamos.
É essa eterna procura, essa infindável ausência de respostas, é turbilhão e é silêncio: é o que não nos deixa parar.

domingo, fevereiro 17, 2013

Ela

O mundo dá voltas, o tempo passa, as coisas mudam, nada permanece, mas ela continua atravessando minha mente toda semana, dia após dia. Eu saí, eu fiz amigos, eu me abri, me acerquei de outras pessoas, mas ela continua sendo a minha referência de ombro amigo e de ouvido aberto. Eu ri, me diverti, me permiti se eu mesma, mas eu nunca fui tão eu quanto fui diante dela.
É que as pessoas não entendem o que é conhecer o outro tão profundamente, que explicações se tornam desnecessárias. As pessoas não sabem o que é poder falar o que vem no peito e não se sentir julgado ou exposto. Poucas pessoas conhecem a sinceridade que a gente conheceu, a leveza que a gente vivenciou, a honestidade que a gente experimentou;
Sim, eu senti e cultivei amor por outras pessoas depois dela. Mas é que quem mais se põe disposto a ouvir as minhas questões, relevantes ou não, claras ou não, racionais ou não, e as compartilha comigo com prazer, sem pressa de saber o que se passa no mundo lá fora?
As pessoas têm pressa, este mundo tem tanta pressa. Se as respostas não estão na superfície, as pessoas não se interessam em mergulhar. As pessoas não querem ouvir, não querem se dividir ou se esforçar. E se essa for a condição, eu prefiro não me dar a conhecer.
E é por isso que eu sinto tanta falta dela. De tantas horas seguidas de conversa. De tantas teorias, de tanta especulação sobre a vida, sobre o sofrimento, e sobre sentimentos tão complexos que eu nem sei que nome dar. Eu sinto falta do seu silêncio atento, do valor que dava ao que eu tinha a dizer - como se fosse, mesmo, importante -, mas sinto ainda mais falta da sua voz. Porque nenhum riso era igual ao nosso.
As pessoas em volta nos invejavam: eu podia sentir. Quem mais encontrou amizade tão plena que podia ignorar as pessoas, as horas, os acontecimentos em volta, sem sequer olhar em volta? Quem mais se satisfazia com um só abraço, um mesmo eu te amo, uma única opinião? Quem mais passava tanto tempo junto de alguém sem que isso fosse motivo de peso?
Quem mais? Muito poucos, eu diria.
Sabe porque eu sei que as pessoas tinham inveja de nós? Porque eu também teria. Porque agora, neste momento, eu tenho inveja daquela que eu fui no passado, vivendo aquela realidade, vivendo aquele momento.
Meu texto não é bonito. Mas é sincero.
Sim: eu era feliz e sabia.

segunda-feira, fevereiro 04, 2013

O primeiro beijo

Eu não sei como não começar este texto de uma forma clichê e piegas, pois você sempre foi minha maior certeza, meu centro. A única coisa terrena que me fazia querer acreditar em destino e em eterno e em todas essas coisas das quais a gente não tem nenhuma garantia. E todas as minhas dúvidas se resumiam a um medo descomunal de te perder. Era sempre 'o que fazer se ele partir? A quem amar se ele se for? O que mais esperar se ele não for a coisa certa nessa vida?'. Mas nunca te deixar foi uma opção, nunca partir passou pela minha cabeça.
Mas, sabe, pensar em todas as outras possibilidades me fez pensar se eu estava perdendo algo. Do que eu poderia sentir falta?
Eu sou uma criança amedrontada e, por isso, fins, términos, rupturas nunca foram atraentes pra mim. Mas elas seriam apenas o início do caminho necessário que levaria para o novo, o desconhecido: de novo as mãos suadas; outra vez não saber o que dizer; outra vez o frio na barriga e a voz tremendo ao telefone; outra vez a expectativa, a paquera, os olhares indesvendáveis. Aparentemente era isso que eu parecia estar perdendo: a emoção do primeiro olhar, do primeiro sorriso, do primeiro sinal. Do primeiro beijo.
Mas hoje, depois de tanto tempo, eu me dou conta: eu não perdi nada. Você tem ideia de quantos primeiros beijos nós tivemos?
Você se lembra do primeiro, primeiro? Nós dois sentados na escada, o barulho abafado da festa e você meio bêbado, meio empolgado, sendo carismático e fazendo piada. Eu te perguntava se estava tudo bem, se você estava bem. Você jurava que sim e, em seguida, começava a acompanhar em voz alta a música no fundo: uma grande contradição, risos. Mas você estava melhor do que nunca. Eu só te perguntava se estava bem pra ressaltar a minha preocupação com tudo o que dizia respeito. Você às vezes segurava a minha mão, às vezes dançava comigo, às veze falava no meu ouvido, e eu já estava desistindo do momento em que você iria me beijar. Foi no fim da noite: você já estava menos alterado e foi me acompanhar até em casa. Pegou na minha mão, fez carinho no meu cabelo, beijou meu ombro e eu me derreti. A sensação é indescritível. E então você me beijou e aquela rua parecia ser o melhor lugar do mundo. Aquela calçada parecia o paraíso. E eu parecia estar te amando.
Você se lembra do primeiro beijo depois que me pediu em namoro? Não faz sentido na minha cabeça, mas aparentemente o meu 'sim' foi uma surpresa, porque eu me lembro bem a urgência com que você pressionou  seus lábios contra os meus. A sua inquietação se espalhou pelos seus braços, por sua língua, por sua respiração e por mim. Você ofegante prendia meu corpo junto do seu, e seus dedos ávidos perpassavam minhas costas, meus cabelos, meu rosto, meus lábios, meu pescoço. Nunca tanta sede, nunca tanto ardor. E eu nunca tão entregue.
Você se lembra do primeiro beijo depois de casados? Sim, aquele na igreja, em frente a todos. A demonstração máxima de que nos escolhemos mutuamente pra passar o resto das nossas vidas. Não porque parecesse fácil, não porque parecesse óbvio. Mas porque queríamos. Tanto que estávamos dispostos a tentar, dia após dia, pelo resto de nossas vidas. As minhas pernas estavam bambas, eu parecia ter me transportado para uma realidade paralela. O momento era surreal. E o seu beijo foi tão fiel, tão doce, tão cheio de certeza, que sedimentou toda a minha inquietude. De repente calmaria, de repente afirmação, de repente ausência de medo do que estaria por vir. E eu de repente tão sua quanto de mim mesma.
Você se lembra do primeiro beijo depois que eu te contei que estava grávida? A minha excitação me fazia rir descaradamente ao mesmo tempo em que eu chorava desconsoladamente. Uma mistura de desconhecido e de chão firme. Algo pra que você nunca está preparado mas que você sempre espera acontecer. E ali estávamos nós, dividindo um presente tão meu quanto teu. Então você chorou junto, riu junto, e me beijou com demora, com ternura, com calma e serenidade. Um beijo que dizia algo como 'não tenhamos pressa, temos o amor à nossa disposição, o tempo a nosso favor, e o nosso final feliz está apenas começando'. E nós dois fazendo o tempo se curvar diante de nós.
Você se lembra do primeiro beijo depois que a nossa filha saiu de casa e foi fazer faculdade? Nós a tínhamos deixado na cidade e voltávamos de carro. Você se concentrava em dirigir enquanto minha mente turbilhonava pensando em tudo aquilo: na distância. Na saudade que, imposta, parece vir mais violenta. No aparente abandono. Na fragilidade da nossa menina. Na força da nossa menina. A minha mente estava tão saturada que eu só notei que eu estava soluçando quando você desligou o motor após parar o carro no acostamento. Você tentou conversar, você tentou racionalizar, você tentou fazer piada, aliviar. Mas foi só quando você beijou minhas mãos, depois meus braços, depois meu ombro, e meu pescoço e, enfim, a minha boca, foi que eu entendi que não havia nenhum outro lugar para eu estar no mundo que não aquele carro e aquela estrada e aquele momento e aquele amor e aquela vida. Nós nunca tão eternos.
Amor, esses são apenas alguns dos nossos primeiros beijos, e eu poderia relatar tantos outros, mas vou parar por aqui, porque você já está olhando pra mim com suas rugas, sua graça e seu olhar de desconfiança enquanto eu escrevo este texto. E agora eu quero te dar o primeiro beijo do dia depois de escrever sobre você.

sábado, fevereiro 02, 2013

Alívio

Posso ser sincera contigo? Aliás, meu pedido é mais profundo: posso ser sincera comigo? Se me permite, arrisco dizer que eu meio gosto de você, do jeito que você se dirige a mim, do jeito que você segura a minha mão, de como fala comigo, e de como parece ter cuidado com o que me diz respeito. E, sim, eu aceito totalmente a possibilidade de que tudo isso é fruto de conclusões turvas de uma série de sensações mal-interpretadas. Mas eu tenho aprendido que o instinto é uma arma poderosa, se utilizado adequadamente. E meu instinto me diz coisas que minha razão não quer aceitar, simplesmente como forma de me manter em um perímetro seguro, sem me expor. Porque eu sei que não posso me apegar a nada disso pra depois estar errada. É uma simples relação custo-benefício.
Eu, dentro das minhas relações, de todas elas, procuro dar ao outro a liberdade de oferecer o que quer, de ser o que quer. E, em contrapartida, dou-me o direito de me retirar de qualquer relação que me faça mal, ou em que o que se oferece é pouco, ilegítimo ou superficial.
E essa é a primeira razão pela qual eu escolho partir: tudo isso me parece arriscado, impensado, cheio de armadilhas. Eu me vejo exposta, com o peito aberto e sem retaguarda, porque em algum ponto do caminho eu pus de lado a minha armadura e desempunhei a minha arma. É que eu achei que você tinha ido embora sem intenção de voltar, e que elas não seriam mais necessárias. Mas aí você voltou e eu me vi pisando em ovos, com medo de usar as palavras erradas, com medo de me colocar de maneira errada, com medo de confundir os sinais... com medo de que você fosse tão louco que estivesse jogando fora das regras do jogo. É que depois de tudo o que houve, você não deveria olhar pra trás sem pensar duas vezes. E você me disse que o fez, que pensou duas vezes. Mas você não percebe que eu procuro mais do que isso? Que eu procuro mais do que alguém que está comigo pensando em outro alguém? Você me diz que não está, o meu instinto diz que não está, mas os fatos falam contra nós.
As minhas sensações me maltratam quando eu te vejo todas as horas do dia tentando se manter por perto. A minha percepção me subjuga quando você escolhe passar comigo a noite do seu sábado. O meu instinto me debulha quando você se mostra vulnerável comigo. Será que mesmo eu racionalmente jurando pra mim mesma que essas percepções são insidiosas, seria capaz de inventar tudo isso, repetidas vezes, diariamente? Será que eu sou assim tão insensata?
Talvez eu seja, sim, porque eu já perdi de vista aquela linha divisória que nos mostra em que ponto estamos. E eu não estou pronta pra arriscar.
E você e mais meio mundo podem vir me dizer que tudo isso é um medo juvenil de se expor e de sofrer, mas você e eu sabemos que a história não acaba por aí.
E o que vem depois é tão lamentável, tão destrutivo, que pesa meu ânimo, satura minha mente, densifica todas as minhas sensações e torna tudo isso pesado, carregado, obscuro.
E algo que era pra ser leve, pueril, insensato de uma forma quase ingênua, se torna inaceitável, e isso encerra mentalmente todas as minhas questões. Porque eu não vou pedir por favor, não vou te pegar pela mão e tentar te arrastar por um caminho que só você pode fazer, não vou pedir nada por mim.
Então, por favor, entenda. Entenda que eu quero seu bem, mas que seus lábios nos meus ombros não são mais uma opção segura. Entenda que eu não guardo nenhuma mágoa, mas que suas mãos segurando as minhas são uma cilada. Entenda que eu espero muito mais de você, mas que eu não vou estar do seu lado aguardando você perceber que você pode ser mais do que isso.
Entenda que tudo isso é pesado demais pra mim, e que eu preciso de alívio.
(...)

domingo, janeiro 27, 2013

Leve

A leveza dentro das relações muitas vezes está erroneamente associada com a complacência diante das atitudes alheias sem qualquer posicionamento/questionamento. A falta de honestidade - não em um sentido pejorativo, mas sim num contexto da mentira social, do que é socialmente aceito e agradável - é um grande problema. A omissão excessiva como consequência da tentativa de nos preservar ou de não sermos mal-interpretados coloca-nos em situações em que não somos sinceros uns com os outros, tampouco com nós mesmos, em relação ao que sentimos/pensamos. E tudo o que nos permitimos dizer ou sentir é aquilo que é tragável ao ponto de vista da racionalidade.
A consequência disso? Aquelas pessoas que se preocupam em analisar-se o tempo todo, em cada atitude - mesmo que sem sucesso -, que buscam ser coerentes, passam por um padecimento mental que é ter que equilibrar-se entre cultivar a franqueza consigo e com o outro, enquanto se preserva dentro da esfera do socialmente aceitável - para não agredir o outro com uma honestidade com a qual a maioria das pessoas não sabe lidar.
Quando não há um real conhecimento mútuo, fazer-se claro é um desafio. E, até que esse conhecimento seja alcançado, a cada vez que decide-se dizer o que se pensa, faz-se necessária toda uma contextualização e explicação detalhada, com o máximo de clareza possível, porque qualquer interpretação mal-feita pode custar caro.
Além disso, o padrão comportamental alheio te faz ter que provar, a cada atitude ou palavra dita, que suas motivações não são as comuns e que são, de fato, embasadas, pra que você não seja interpretado de forma errônea. Quanto desgaste mental.
Volto ao cerne: na tentativa pretendida como sensata de se colocar em prática a não-cobrança, baseada na crença de que tudo o que te oferecem dentro das relações - sejam elas familiares, amorosas ou amistosas, principalmente - devem partir da vontade genuína do outro, nos calamos diante de diversas situações, nos colocamos em posição de fragilidade, ao estender o nosso leque de atitudes que consideramos aceitáveis. Neste momento, qualquer protesto que possa ser levantado soa como uma cobrança descabida, já que cada um oferece o que quer.
Na tentativa de ser leve com os outros, tem-se em troca uma maior densidade consigo mesmo, uma preocupação exacerbada em ser coerente - nada que não seja racionalmente embasado não deve ser dito -, uma infinidade de protestos engolidos em seco e, mais uma vez, em um lamentável efeito rebote, relações que não ultrapassam a superficialidade.

Gosto

O gosto do teu beijo começa doce, mas termina sempre, enfim, em um gosto amargo.
Então o que é que tanto me faz retornar?
Como é que enxergando tudo o que está gritantemente errado, do início ao fim, da cabeça aos pés, eu volto ao mesmo lugar, e pago pra ver?
Nota mental: quando se faz o que quer, há sempre um preço a se pagar.

quarta-feira, janeiro 16, 2013

Pilates

"Gosto de acreditar que não foi fácil. Que você quase mandou o táxi voltar, que você quase me ligou, que você quase escreveu. Que a noite você sente minha falta, que sem mim a cama parece maior, que você precisou limpar seu mp3 porque músicas demais te faziam pensar em nós dois. Que as vezes um amigo seu menciona o meu nome e você bebe sua cerveja mais rápido, que tem alguma coisa minha que você levou embora da casa e eu ainda não percebi e que em algumas noites, quando você se sente muito sozinha, você tira de dentro de um lugar escondido no seu armário enquanto imagina se a gente não merecia mais tempo junto.

Gosto de imaginar que você ainda vai ser feliz, mas nem tanto. Que ao menos você ainda lembra, que ao menos você ainda pensa, que ao menos um pouquinho disso ficou, mesmo depois de você ter ido embora."

Trecho do texto Pilates, de João Baldi Jr.

segunda-feira, janeiro 07, 2013


O tempo tem o dom de banalizar acontecimentos notáveis e de desvalorizar sentimentos grandiosos.

As Últimas Flores...

Sentou-se no sofá meio zonzo, meio fraco, meio perdido. "Em estado terminal", o filho dela disse no telefone. Vinte e um anos depois da última vez que a tinha visto, não sabia o que esperar ao encontrá-la.
"Ela está em estado terminal. O médico sugeriu que ela se despedisse dos amigos e da família. Amanhã mesmo a levaremos pra casa... (Silêncio) Desculpe o incômodo... é que você continuou sendo a referência dela de família, de marido. Desculpe se estou sendo inadequado ou algo..."
"Não, de forma alguma. Fez muito bem em ligar!"
"Bem, se quiser, pode visitá-la amanhã de manhã..."
"Não. Irei hoje mesmo... pode me passar o nome do hospital, número do quarto, por favor?" [...]
Se arrependeu de ter prometido ir ainda hoje. Não sabia o que fazer, como se comportar. Não é como se pedir desculpas a essa altura fosse ser de alguma serventia. Sentia vergonha.
Imaginava o quanto ela deveria ter sofrido depois que ele a deixou. Com o filho recém-nascido, desempregada, morando num casebre alugado. Como, depois de tudo, ele poderia continuar sendo a sua referência de família?
Não se arrependia. Não. Faria tudo de novo. Era uma questão de sobrevivência, e aquilo, pra ele, não era vida. Nunca foi. Era pior do que morrer. Era como estar morrendo a todo o tempo, incessantemente, mas sem o alívio, sem o vazio, sem a anestesia. Foi-se embora porque não poderia lidar com outros dois seres humanos retirando dele o resto de suas energias, tempo, saúde e dinheiro. Dois seres frágeis dependendo dele. Era um peso muito grande, e partir, sem sombra de dúvidas, seria o melhor pra todos. Enfim, não se arrependia.
Mas sentia vergonha. Não saberia como olhar nos olhos dela. Nem nos olhos do filho dela. Não deles: dela, apenas. Ele não tinha participação nenhuma no fato de o bebê ter se tornado um homem. E um homem forte, aparentemente.
Não saberia o que dizer. Ele não lamentava por ter partido. Mas sentia muito pelas consequências daquilo pros dois.
Até então era fácil lidar com isso. Quase nem pensava no seu passado, já tão longínquo. Mas agora ele estava sendo obrigado a vê-la prostrada, moribunda, ainda mais frágil do que quando a deixou. Não conseguiria não se ver como único responsável por tal estado, se ele saiu e a deixou de um jeito e, agora, ao voltar, a encontraria ainda mais decadente. Ele não a acompanhou ao longo de sua trajetória, não seguiu as evoluções, e temia que as imagens pontuais dos dois extremos da vida, colocadas lado a lado, pudessem atormentar sua consciência, colocando-o como o culpado. E ele não era. Não poderia ser...
Tomou fôlego e, junto, alguma coragem. Levantou-se, enfim, pegou as chaves e caminhou até o carro.
Trancou-se dentro do seu Audi A8 e, ao tentar dar a ignição, viu-se, de novo, paralisado. Precisava saber o que dizer quando a visse...
Teve uma ideia... passou pela floricultura e comprou orquídeas. Era um gesto muito bonito, com certeza. Levar flores era reconfortante. Isso o pouparia de dizer muita coisa: as flores falavam por si, só.
As flores seriam o conforto para a alma da mulher. Representavam o que restou de belo do passado, representavam todo o encanto do que poderia ter sido, representavam a esperança de algum milagre repentino.
E pra ele, pra sua vergonha, pros seus ombros, pra sua consciência, representavam o alívio.
Seus ombros de repente ficaram leves, seus pensamentos ficaram em paz, e ele, com o peito cheio de honra e de orgulho de si, foi fazer esse último e bondoso gesto à mulher que tanto o amou um dia.

sexta-feira, janeiro 04, 2013

Gravata

Acordou às 5h30. Detestava aquela hora da manhã. Detestava aquele meio termo entre a noite e o dia, a luz fraca que apenas se insinuava vindo de fora, e o fato de o seu corpo, mesmo depois de tanto tempo, não ter se acostumado a acordar naquele horário. Mas ele precisava trabalhar...
Levantou-se, vestiu-se e caminhou até a padaria. Comprou pães de sal, que não queria, porque a mulher gostava, suco de goiaba, que não tomava, porque a filha queria, coca-cola, que detestava, porque o filho exigia. Mas não comprou aquela rosca caseira que desejava porque estava cara e ele precisava economizar..
Pegou o ônibus para o trabalho. Ele detestava a mistura de cheiros, odiava ouvir as histórias e conversas alheias, abominava permanecer em pé enquanto o ônibus se deslocava. Mas a mulher precisava do carro pra ir pra academia, e depois pra buscar as crianças, e então pra visitar a mãe...
Chegou ao trabalho quinze minutos mais cedo. Ele poderia chegar no horário, mas o chefe gostava de encontrá-lo em sua mesa sóbrio, sério, produtivo, com as tarefas do dia já encaminhadas. E ele precisava manter o emprego...
Detestava as pessoas com quem trabalhava, suas conversas superficiais, suas vidas medíocres, e odiava ainda mais a ilusão que tinham de que eram importantes. Mas ainda assim era educado e papeava durante o café e participava das confraternizações de fim de ano e fingia interesse pois precisava ser educado pra manter um clima agradável...
Depois do almoço, sentou-se em sua cadeira e folgou o nó da gravata. Odiava ter que usar a gravata e a calça social. O que mais queria era por uma bermuda e caminhar no sol enquanto ouvia música no seu fone de ouvido. Mas ele precisava passar uma boa impressão no trabalho...
Mal podia esperar pra entrar de férias. O que mais queria era ir passar o mês na praia. Mas o dinheiro das férias ele iria gastar na festa que a filha exigia e a mulher queria porque a filha da vizinha fez e ela precisava fazer melhor. Ele odiava gente e festas e odiava ainda mais a vizinha e a sua filha. Mas...
O nó na gravata agora já não parecia mais apertado o suficiente. Tudo o que ele queria naquele momento era se sufocar com aquela maldita gravata.
Ele estava, há muito tempo, cercado de pessoas que ele detestava, fazendo coisas que abominava, engolindo uma realidade que execrava, vivendo uma vida que odiava. E tudo isso pra quê?
Duvidava achar uma resposta...
A vida é este infindável questionamento, mas a morte anestesia... e ela parecia agora ser a melhor das opções.