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quarta-feira, setembro 04, 2013

Aquela música era sobre você*


O ano era 1990 quando eu assisti a este por-do-sol pela primeira vez. Eu tinha quatorze anos. Eram as férias de dezembro. Estávamos longe de ter imóveis no litoral. Nestas férias que sofri o acidente submarino que me concedeu inúmeras perfurações no tímpano direito, uma cirurgia com problemas pós-anestésicos e diminuição da capacidade auditiva. Lembro muito bem de tudo. Eu acordava, comia muitos pães com qualquer coisa dentro, bebia um copo gigante de Nescau (não era esse horrível 2.0) e ia apressado para a praia. Lá eu ficava o dia inteiro. Acredito que meu corpo cansava de produzir melanina - não tinha mais espaço para a molécula da melanina nas células. Todo dia, o dia inteiro era feliz. Eu e o mar e os colegas que insistiam em atravessar a arrebentação com o filho de Poseidon. Como eu disse, lembro muito bem de tudo. Quando o dia ia terminando e o sol caminhava para a morte meu humor sofria alteração significativa. Eu saía do mar, me secava, pegava meu walkman (de fita cassete), sentava a uma distância segura de todos de modo que eu não seria importunado e me sentisse próximo e "dava play". A música que tocava era sempre a mesma porque eu sou assim - ouço sempre as coisas que já gosto e se ninguém me apresentar nada novo, tudo bem. Como eu disse, lembro muito bem de tudo. Quando eu saía do mar e me afastava com os fones nos ouvidos, o fazia porque sentia um vazio dentro de mim. Um vazio estranho. Eu não chorava, não me emocionava. Apenas sentia um vazio e ficava vendo o sol morrer de novo. Eu não estava apaixonado. Era como se eu estivesse. Era como se algo me faltasse e eu passaria a vida sem saber o que era. A música que eu ouvia pedia-me paciência. Falava sobre sentir falta, sobre chorar de saudade, sobre um futuro certo e bom, sobre não podermos acelerar o tempo, sobre não fingir, sobre não romper, sobre não suportar a dor do afastamento, sobre precisar de alguém. Alguém. Mas quem? O ano era 1990! Tudo que eu fazia era estudar e ir à praia com meus pais... Os anos se passaram e eu conheço este por-do-sol há vinte e quatro anos. Duas décadas e meia, quase. Desde dezembro de 1990 que não lhe assisto ouvindo aquela música. No sábado passado, 31 de agosto, eu saí sozinho de casa só para assistir ao meu por-do sol preferido. Não, não ouvi aquela música e não me senti vazio. Eu senti saudade, pela primeira vez neste por-do-sol, e entendi o que aquela música quis me dizer há vinte e quatro anos.

*Texto de Angelo Amaral

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