Sabe as coisas importantes das nossas vidas? As decisões relevantes? Como que profissão você escolheu pro resto da sua vida, ou com quem você vai casar, ou a cidade em que você mora? Então. Isso daí todo mundo sabe, todo mundo vê. É só saberem teu nome e já vão te perguntando sobre as coisas relevantes da tua vida. O contrário disso é dividir-se nas partes mais peculiares, nos pormenores, naquilo que é intrínseco. E isso é pré-requisito pra aquilo que eu chamo de amizade.
O início desse ano foi de muitas mudancas pra mim. Eu me afastei de uma realidade que ocupava quase todo o meu tempo. E ir de cem a zero de repente foi um bocado dolorido. E pra quem tinha muito o que fazer em um dia com muito poucas horas, eu passei a ter tempo ocioso demais e de cara comecei a reavaliar muita coisa na minha vida. Por isso me coloquei, tanto quanto fui capaz, na posicao de observar. Durante o que considero muito tempo não criei lacos, não me confidenciei com ninguém, estava bastante sozinha, mas confortável. Você sabe bem o que eu penso da amizade, da energia desprendida para cultivar uma dessas, e do desconforto de uma separacão indesejada. Você sabe o que eu penso das pessoas, da ciclicidade de relacionamentos, e dos lacos que construimos ao longo da vida. Você sabe pelo menos o que eu acho que penso. E foi assim, despretensiosamente, dividindo uma e outra perspectiva -duas adolescentes compartilhando visões de mundo, risos- que fui encontrando em você coisas que eu nunca procurei, mas, de cara, fui sentindo que precisava. Eu não sei se é porque, pela primeira vez na minha vida, eu sentia cada vez menos necessidade de aceitacão, ou porque eu buscava cada vez menos criar lacos, que eu fui me mostrando pra você sem me preocupar exatamente com o que você iria achar disso. E você foi gostando de mim e retribuindo a honestidade. Quantas vezes eu não já confessei que pensava de uma forma que me fazia me sentir detestável, e você nunca me julgou por isso. E, é claro, no início trocávamos infinitas frases de carinho ou admiracão, porque a gente ainda carecia desse cuidado, não é? Mas aí a gente foi pegando um jeito uma da outra, o ritmo, o humor, os pontos de vista, e foi se dividindo e se expondo cada vez mais, de uma forma que acontece com poucos. E por não enxergar pessoas assim -talvez pela preguica de procurar- eu fui me acomodando a você, passando a depender do seu ponto de vista, do seu parecer, do seu tom sarcástico e daquela piada que eu já sei que você vai fazer mas ainda assim eu vou rir. E acho que é tão evidente a admiracão mútua que temos, que nós sequer nos damos ao trabalho de ressaltá-las no dia-a-dia, trocando-as por humilhacões em publico e piadas depreciativas que poucos entendem, num humor que faz apenas a gente, acredito, rir sinceramente. Pode parecer patético, infantil, avesso e contradizente, mas isso é a gente, e eu não tenho porque reclamar. Você sempre fica falando essas coisas depreciativas, se colocando num grau abaixo na nossa amizade, e é o único momento em que eu quero te matar, porque parece que você não percebe o quanto eu me tornei você, parecida com você, dependente de você. Eu me assusto porque juro que não é de propósito. Quando eu percebo, eu me lembro de você por algo que eu falo, por uma piada que eu faco mentalmente ou por uma careta, e eu já não faco porque me lembro de você, mas me lembro de você porque as faco. No momento da minha vida em que eu mais queria não ter um amigo pra esquentar a cabeca, não ter alguém que me fizesse querer matar aula pra continuar uma conversa, não ter alguém pra sentir falta nessas drogas de férias, não ter alguém pra sonhar que vai pra mesma universidade que eu, não ter alguém pra fazer planos de dividir o quarto e as aventuras universitárias comigo, você me aparece e praticamente me obriga a te amar, porque simplesmente não tem como ser o contrário. Eu não sei se você já percebeu que eu nunca falei muito nessas coisas. Nunca planejei nada com você pro futuro por minha conta. Porque até hoje eu não me acostumei com a frustracão de ter falhado nesses objetivos no último ano. E dessa vez acho que seria mais dolorido, porque nesse ano que se passou, todas as lembrancas naquela escola e boa parte de fora dela se resumem a você. Parece que meu ano comecou junto com a nossa amizade. Você foi exatamente a pessoa que me ofereceu suporte quando eu não procurei, e eu nem sabia que isso era possível.
Eu não sei explicar o quanto eu te admiro ou o quanto gosto de ti.
Acho que você foi, mais ou menos, a primeira pessoa com a qual eu tive todo o cuidado de reservar minhas demonstracões de afeto, para que essas fossem correspondentes à realidade, e não resultado de uma euforia momentânea. Eu guardei muitos te-amo-amiga que quase me escaparam antes de ter certeza da profundidade do laco que construimos. E depois disso, tudo o que faco em relacao a você é verdadeiro demais, espontâneo demais, e eu quase não tenho receios de me expor a você. E eu sei que, não importa quantas idiotices eu já tenha feito, ou quantas bandas ruins eu já tenha ouvido, ou quantas bandas boas eu goste e você não, ou o quanto eu posso ser paciente com coisas que você jamais seria, ou o quanto eu posso acreditar em algo sem ver, você me ama. E eu vou fazer de tudo pra preservar o seu amor. Porque eu só disse isso antes uma vez na vida e não errei, e agora sei que não vai ser diferente: eu nunca, NUNCA vou encontrar uma amizade que consiga comparar com a sua.
Te odeio.