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sexta-feira, janeiro 04, 2013

Gravata

Acordou às 5h30. Detestava aquela hora da manhã. Detestava aquele meio termo entre a noite e o dia, a luz fraca que apenas se insinuava vindo de fora, e o fato de o seu corpo, mesmo depois de tanto tempo, não ter se acostumado a acordar naquele horário. Mas ele precisava trabalhar...
Levantou-se, vestiu-se e caminhou até a padaria. Comprou pães de sal, que não queria, porque a mulher gostava, suco de goiaba, que não tomava, porque a filha queria, coca-cola, que detestava, porque o filho exigia. Mas não comprou aquela rosca caseira que desejava porque estava cara e ele precisava economizar..
Pegou o ônibus para o trabalho. Ele detestava a mistura de cheiros, odiava ouvir as histórias e conversas alheias, abominava permanecer em pé enquanto o ônibus se deslocava. Mas a mulher precisava do carro pra ir pra academia, e depois pra buscar as crianças, e então pra visitar a mãe...
Chegou ao trabalho quinze minutos mais cedo. Ele poderia chegar no horário, mas o chefe gostava de encontrá-lo em sua mesa sóbrio, sério, produtivo, com as tarefas do dia já encaminhadas. E ele precisava manter o emprego...
Detestava as pessoas com quem trabalhava, suas conversas superficiais, suas vidas medíocres, e odiava ainda mais a ilusão que tinham de que eram importantes. Mas ainda assim era educado e papeava durante o café e participava das confraternizações de fim de ano e fingia interesse pois precisava ser educado pra manter um clima agradável...
Depois do almoço, sentou-se em sua cadeira e folgou o nó da gravata. Odiava ter que usar a gravata e a calça social. O que mais queria era por uma bermuda e caminhar no sol enquanto ouvia música no seu fone de ouvido. Mas ele precisava passar uma boa impressão no trabalho...
Mal podia esperar pra entrar de férias. O que mais queria era ir passar o mês na praia. Mas o dinheiro das férias ele iria gastar na festa que a filha exigia e a mulher queria porque a filha da vizinha fez e ela precisava fazer melhor. Ele odiava gente e festas e odiava ainda mais a vizinha e a sua filha. Mas...
O nó na gravata agora já não parecia mais apertado o suficiente. Tudo o que ele queria naquele momento era se sufocar com aquela maldita gravata.
Ele estava, há muito tempo, cercado de pessoas que ele detestava, fazendo coisas que abominava, engolindo uma realidade que execrava, vivendo uma vida que odiava. E tudo isso pra quê?
Duvidava achar uma resposta...
A vida é este infindável questionamento, mas a morte anestesia... e ela parecia agora ser a melhor das opções.

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