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quarta-feira, abril 10, 2013

Distrações

E foi dentro de um trem, com uma passagem na mão, uma mochila nas costas e meus sonhos, que eu te vi pela primeira vez. Nós tínhamos em comum muito mais do que o destino a que o trem nos levava: tínhamos em comum a vontade de descobrir o mundo. E medo. Muito medo de tudo o que poderia dar errado.
Aquela passagem nas minhas mãos representava muito mais do que a passagem para uma outra cidade: era a minha chance de entrar numa nova e determinante etapa da minha vida. E foi ali, no meio de tanta confusão mental, que eu te encontrei.
Você sabe, garoto, que eu tenho dificuldade de conversar com estranhos? Não sabe, não é? É que eu tenho preguiça de conversas superficiais. Eu tenho um profundo desinteresse em socializar. Mas, de repente, estávamos eu e você falando de sonhos e da vida e do futuro e de probabilidades e de tantas outras coisas, assim, sem esforço algum, por horas a fio, até que a viagem terminasse e nós fôssemos obrigados a nos despedir. E eu disse adeus desejando - assim, de leve - que não fosse aquele o momento em que você sairia definitivamente da minha vida.
Ironicamente, a vida te colocou outra vez no meu caminho. Mais ironicamente ainda, você pareceu gostar. E nada como a madrugada para aproximar duas almas notívagas.
Por algumas vezes, deixei de lado minhas obrigações, meu sono e minha serenidade pra falar contigo - é que você me deixa assim, alvoroçada. As nossas conversas, tão íntimas e cheias de entrega, me fizeram sentir vontade de amar alguém pelo diálogo honesto e pela sintonia. Vontade de querer bem alguém sem estorvos, dúvidas, angústias.
O seu rosto, a sua voz e as suas mãos começam a se desenhar como sendo meu ponto de equilíbrio. É que há muito tempo eu venho tropeçando, esperando por um ponto na estrada em que eu possa repousar. Me deixa repousar no seu colo e na sua voz? E se eu também sou aquilo que você estava esperando eu te digo:
Vem. Eu te espero nessa cidade com minha solidão e minhas expectativas. Vem, que eu estou disposta a dividir com você o meu tempo, os meus lugares, os meus amigos e o início de um sonho.
Traz numa mala os seus medos, as suas inseguranças e os seus desvios, que eu te ajudo a lidar.
Eu nunca soube como fazê-lo, mas, meu bem, por ti eu estou disposta a tentar.

segunda-feira, abril 08, 2013

Cuida dela*


Rapaz, diz pra ela que o meu bom dia ainda é dela. E que, se der, outro dia a gente se esbarra e eu levo umas flores pra ela. Faz dela um porto inseguro pra não se deixar levar pela rotina da maré calma. Beija o nariz dela que ela acorda na mesma hora e ainda dá uma espreguiçada com um sorrisão de partir o meu coração por não poder mais acordar ao lado dela. Ô rapaz, cuida dela com ternura. Essa garota precisa de alguém com tempo e com todo o coração do mundo pra entender a alma dela. Deixa ela descansar a cabeça no seu ombro, mesmo que você sinta um pouco de medo de se mexer. Eu nunca consegui ficar quieto com ela do lado.
Diz pra ela que ela é meu sonho bom. E que vai ser dureza não ter ligação nenhuma no meu celular pra responder. Coloca um toque personalizado, mas não escolhe nenhuma música especial pra vocês dois, rapaz. Puxa pruma valsa que ela sabe dançar bem demais. Ela tem um jeitinho de fugir dos meus braços que dá gosto. E não cai na armadilha dela, não. Se enroscar no pescoço dela é perigoso porque você pode ficar ali por tempo demais e se esquecer de olhar bem nos olhos dela. Diz pra ela que eu sei que eles não são castanhos, rapaz. Os olhos e ela são doces como mel. Dá pra sentir no gosto do primeiro beijo na chuva. E carrega sempre um remédio pra alergia na carteira. Dá pra prevenir os olhos dela de lacrimejarem por algum motivo bobo. Cuida bem pra ela não chorar, viu?
Diz pra ela que eu guardei os ingressos do nosso primeiro cinema e que ontem tava passando o filme na Sessão da Tarde. Pergunta se ela viu e se lembrou de mim durante os comerciais. Pergunta se ela ainda discute Godard com alguém ou se gostou de algum blockbuster recente e não quis confessar. Rapaz, ela sabe de tudo no mundo. Puxa assunto com ela, mas não deixa o silêncio consumir vocês dois. Ela é tagarela demais – e boa coisa não é se ela começar a ficar quieta. Aquieta o rosto no colo dela e deixa uma barbinha rala pra ela sentir cócegas. Ah, você faz bem em levar dois edredons pra cama porque senão corre o risco de passar frio. Ela é meio egoísta durante o sono. Diz pra ela que eu sinto falta das conchinhas e que até parei de reclamar da dor nos braços. Abraça forte sempre que der e escreve uns poemas também.  Garanto que ela vai te inspirar a escrever um livro inteiro.
Ô rapaz, diz pra ela que eu soluço só de pensar em como vai ser daqui pra frente e que o meu norte foi embora junto dela. E diz também que eu reconheço que ela deve ser mais feliz com você do que comigo. Diz que eu não me conformo, mas vou tentar pensar nisso como um desvio de percurso – e que, até a gente se reencontrar, eu vou tentar garantir a felicidade dela por meio de umas dicas e recomendações que eu vou dar pra você. Ela gosta de beijos molhados e pouca agilidade na hora de se despir. O suor dela tem um gosto bom, rapaz, então não precisa – e nem pode – ter nojinho com ela. Compra cerveja ao invés de vinho e põe o chinelo dela na entrada pra ela se livrar logo do salto quando chegar. Não trabalha muito até tarde porque ela vai depender de alguma atenção sua pra ter certeza de que fez uma escolha justa em me deixar. E fala sobre música, sobre algo de blues e jazz e deixa ela sentar pra tocar piano naquele restaurante grã-fino dos Jardins. Diz pra ela que eu aprendi uma partitura pra poder me lembrar dela.
Cuida bem dela e diz pra ela que um dia a gente se encontra se ela resolver que dá pra ser feliz aqui. Mas se ela preferir ficar por aí, faz dela o seu grande amor, rapaz. Diz pra ela que a solidão só anda doce porque eu ainda penso nela. E dá um beijo de boa noite na testa dela por mim, rapaz. E não precisa dizer nada depois disso. Ela vai fechar os olhos e se lembrar de mim.

*Texto de Daniel Oliveira, originalmente publicado no blog Entre Todas as Coisas

quarta-feira, abril 03, 2013


"And though you are right, I've been looking as well, babe, I'm not looking for you.
(...) And the one thing that keeps me from falling for you is I'm truly alone and I like it."

segunda-feira, abril 01, 2013

Promessas que eu nunca quis ouvir

Se tem uma coisa que me dá asco e medo e preguiça e me irrita e me deixa com os dois pés atrás é essa mania que as pessoas têm de te dizer algo só porque acreditam que é o que você quer ouvir. Não é que fosse preciso dizer algo, não é que você tivesse perguntado, não é que o silêncio precisasse ser quebrado. A pessoa simplesmente decide, por uma razão frouxa e rasa, te dizer palavras que, insinceras, têm o objetivo de mobilizar ou te comover, te tornando um pouco mais dependente emocionalmente, te prendendo ali naquela realidade. Decide, mesmo que a base de tudo isso seja enganosa, mesmo que as palavras sejam insidiosas, mesmo que não haja nem um pouco de verdade ou de entrega em nada do que foi dito. A única intenção real por trás de tudo isso é alimentar um jogo de sedução não-declarado, onde vence quem é mais frio e capaz de trazer o outro pra brincadeira sem se envolver, saindo, ao fim, ileso.
Por que as pessoas tem essa mania de achar que pedir por franqueza e transparência é como pedir por comprometimento? Por que essas não são coisas naturais a todo tipo de relação?
Por favor, não venha me fazer promessas e me oferecer afeto achando que você sabe o que eu quero ou do que eu preciso. Não venha me dizer coisas agradáveis achando que é o único capaz de fazer eu me sentir bem. Não me elogie com esse tom de como se estivesse me fazendo um favor, como se eu tivesse esperado a noite inteira por isso. Não faça nada disso se não for sincero e legítimo. Acredite: você se assustaria com o quanto eu posso ser autossuficiente. Você se espantaria com quão cética eu posso ser diante de demonstrações de afeto e de palavras dóceis e de posturas surpreendentes. Eu racionalizo todas elas e tendo a catalogá-las como evasivas, vazias e superficiais.
É que eu não sei ler as pessoas. Esse talvez seja o meu maior erro nessa minha pose de tão analítica: eu não sei analisar as pessoas isoladamente. Apenas os padrões comportamentais. Então no fim, na minha cabecinha, é tudo uma questão de probabilidade.
E o mundo está tão cheio de pessoas frias e vazias e rasas que é uma simples questão de probabilidade que tudo isso que você diz seja simplesmente um bando de baboseira cuspida em cima de mim de forma descuidada pelos mesmos lábios que querem apenas tocar os meus como único objetivo final.