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quinta-feira, fevereiro 06, 2014

Playlist

Eu cheguei do trabalho, pus as chaves no chaveiro, a carteira sobre a mesa, lavei o rosto e, em seguida, me sentei em frente ao computador e botei pra tocar outra vez aquela playlist. Nesse momento eu não abri o facebook, ou o email, ou o jornal, ou qualquer outra coisa que pudesse me distrair daquela playlist. Ela tem o seu nome, sabia? Eu sei dizer o nome de cada uma das músicas na ordem em que elas tocam e até mesmo de trás pra frente. Eu queria que fossem mais músicas. A playlist... ela tem o seu nome, já disse? Bom, eu abri a playlist e concomitantemente fechei os olhos. Tentei pensar em você. No seu rosto. No cheiro do seu shampoo. Naquela cicatriz que você tinha no queixo. Nas suas mãos com as unhas que você odiava porque não conseguia parar de roer. Eu tentei me lembrar de tudo, mas está cada dia mais difícil. Me perdoa, cricket, mas eu vou continuar tentando, eu juro.
Faz três anos que estávamos nós dois sentados na minha cama, que ainda era de solteiro. Você tomou conta do meu notebook e ficou falando sem parar o quanto minhas músicas eram ruins e que eu não sabia nada sobre arte. Disse que ia tentar fazer uma intercessão entre os nossos gostos musicais. Das tantas músicas que havia ali, você separou aquelas de que você também gostava, e fez uma playlist com um nome engraçado que fazia referência ao meu mau gosto musical. E pôs a lista pra tocar. Chovia, fazia frio, e a gente se enrolou na coberta, se abraçou e fez amor ao som daquelas músicas.
Uma hora depois nos levantamos apressados pois você tinha uma prova pra fazer e eu tinha que cumprir hora no laboratório. Como sempre, passamos tempo demais na cama e saímos atrasados pros nossos afazeres. A chuva tinha parado, você deixou o prédio, me beijou e se virou pro lado contrário do meu, com seu fone de ouvido recheado de bom gosto musical, e sua distração que eu costumava achar graça na época.
A gente pode tentar culpar as circunstâncias, ou a gente pode acreditar que há uma hora pras coisas acontecerem. Mas até hoje eu não decidi se a nossa pressa, a sua distração ou seus fones de ouvido tiveram ou não alguma culpa naquele acidente horrível que te levou de mim naquela tarde.
O tempo abriu logo depois, parecia o céu sorrindo pra te receber. E eu morri um pouco junto com você. Deus, como eu queria que esse pouco de mim que morreu pudesse também ir contigo. Mas não. Eu fiquei, com uma ferida aberta, daquelas bem grandes, que podem até cicatrizar um dia, mas deixam um vazio, e sempre, sempre deixam rastros evidentes.
Eu te amava tanto. Eu me lembro que, sempre que a gente fazia amor, você me pedia pra não te esquecer. Mesmo se a gente terminasse, mesmo se a gente nunca mais se visse, mesmo se a gente amasse outras pessoas, você pedia que me lembrasse de você sempre com carinho, que sempre lembrasse o quanto a gente se amou, e o quanto tudo isso fez sentido, dia após dia, enquanto estávamos juntos.
E é isso que eu estou fazendo, meu bem. Já faz três anos. As pessoas esperam que a esse ponto eu já tenha chorado, sofrido, e que esteja pronto pra seguir em frente, pra caminhar com minha vida. Mas eu sei que você não iria querer isso. Você não iria querer que eu sofresse, sentisse sua falta, falasse de você como se fosse minha vida, pra simplesmente, algum tempo depois, te deixar no passado, esquecida, como alguém que simplesmente passou... você não iria querer ser esquecida, porque hoje você não está aqui pra se fazer ser lembrada por outro alguém, e não seria justo da minha parte simplesmente te deixar ir, sem que houvesse outro alguém pra pensar em você toda noite, pra guardar uma foto sua na carteira, pra saber o cheiro do seu perfume de cor, pra saber de quais piadas você iria rir.
E é por isso, meu bem, que até hoje eu preparo a comida sem cebola porque eu sei que você odeia, e que eu limpo o espelho só com água pra não manchar, que eu faço o café bem forte e sem açúcar, e que eu não uso camisa polo com bermuda. Você me detestaria, rs.
E é por isso que, quando eu estou só, meu amor, a sua playlist é a única, a única que eu ponho pra tocar.

terça-feira, fevereiro 04, 2014

Eu bem tentei. Mas é que agora... eu não saberia falar de amor.

segunda-feira, fevereiro 03, 2014

Quinze minutos

Eram quinze minutos a pé quando eu fazia o caminho da minha casa até a sua. Aqueles quinze minutos de distância eram longos demais, a cada vez que tudo o que eu queria era me transportar pra o teu lado. E vez após vez eram quinze minutos de espera ansiosa, de pés tropeçando na própria pressa. Minutos a menos com você. Contados. Havia um trecho isolado e escuro, e uma outra boa parte do trajeto de rua não asfaltada. E eu passava por eles, fosse noite ou chuva, sem me preocupar com um perigo qualquer ou com a água entrando nos meus sapatos, só pensando em quantos minutos mais faltavam pra eu alcançar seus braços. O meu guarda chuva e o meu all star já sabiam o caminho de cor. Eu ia pensando em como você iria me receber, se eu estava bonita pra você, se eu havia esquecido o perfume ou o filme que a gente combinou de ver. Ia pensando em como eu ia te sorrir, nas maneiras que eu queria te beijar, e se fosse noite eu ainda olhava pro céu, que gentilmente abraçava minhas expectativas e me prometia que tudo seria grandioso. E era. Quando você abria a porta, eu deixava a angústia do lado de fora, assim como a poeira no tapete. E quando você me beijava, eu sabia que caminharia trinta minutos ou vinte horas a pé, só pra te ver de novo. Quando a gente se encaixava, eu te olhava nos olhos tentando gravar seu rosto, seu cheiro, nosso prazer, pra lembrar a cada momento em que eu estivesse a insistentes quinze minutos de distância de você. Ou mais.
Faz tempo. Já faz muito mais que quinze minutos. Já faz um bilhão de vezes quinze minutos que eu não vejo você. Já faz tanto tempo que eu talvez nem saiba mais o caminho. Você provavelmente já nem mora lá. Você provavelmente tem outro alguém. Eu provavelmente nem saberia mais amar você. A gente não se conhece mais, pelo que eu pude perceber. Mas a minha espera sempre foi sincera, e a minha busca, fiel. E tudo o que eu ainda consigo me lembrar são aqueles quinze minutos, porque, de tudo, foram o que, até o fim, nunca deixou de ser real.