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quinta-feira, junho 02, 2011

Afeto

Pegou os retalhos de um sonho e caminhou na noite fria sem Lua e sem estrelas. O Universo parecia debochar de sua infelicidade. Com passos pesados arrastou-se até alcançar seu esconderijo pessoal. O gosto amargo do whisky ainda na boca, um cheiro desconhecido de mulher impregnado no seu corpo ofegante. Sentia-se cansado. Cansara-se de tanto fingir. "Um príncipe", diziam quando passava. Sorria para si mesmo um sorriso sinistro. "Um príncipe que virou sapo", pensava em sua cama antes de dormir. Parou ali mesmo. Enquanto se desmanchavam seu olhar altivo e seu sorriso vaidoso, recostou-se na cadeira com o assento já gasto após inúmeras noites de introspecção. Cansara-se. Cansara-se de simular uma felicidade que perdurava até o por-do-Sol. Cansara-se dos sorrisos hipócritas e dos apertos-de-mão convenientes. Cansara-se de falar de política, dólar, governo e futebol. Não queria mais falar. Cansara-se do agre sabor do whisky que bebia para não mais lembrar. Desejava não se importar. Não queria mais o Sol exibido do clube no Domingo. Queria o Sol modesto de uma segunda feira. Queria uma tarde de praia vazia. Queria um cheiro familiar no travesseiro. Queria afeto. Afeto despretensioso, com noites de sobriedade, pipoca e exageros hollywoodianos. Queria não ter que sorrir sem ter vontade. Queria uma voz conhecida no telefone. Queria o que não tem nome. Sua realidade já começava a se enlear e seus pensamentos a se confundir com seus sonhos. Com frio no corpo, um gosto amargo na boca, e um cheiro desconhecido na roupa, rendeu-se aos seus sonhos que agora pareciam mais atraentes que a realidade.

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