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sexta-feira, junho 03, 2011

O Conto do Baú

Com um medo infantil e olhando em volta, abriu cuidadosamente o baú há tanto cerrado: ali guardara seus sonhos. O baú parecia agora tão maior do que quando o cerrara, há muitos verões atrás. Como se o que havia ali dentro tivesse crescido e tentasse arrancar os cadeados do móvel antigo. Ergueu-o e, logo na primeira fresta aberta, uma canção começou a escapolir. Atentou-se à melodia que soava familiar lá no fundo de sua consciência. Abriu mais um pouco e olhou esperando encontrar passado. Mas assustou-se ao se deparar com futuro: O sonho ainda estava ali. Agora, ao alcance dos olhos. Das mãos? Não se sabia. Um amontoado de ilusões sedutoras. Poderiam ser reais? Pensava que não. Mas tanta surrealidade soava encantadoramente musical. A canção, então, soou mais forte. A mulher deixou de ser mulher e tornou-se de novo a menina. Tocou os cabelos e quase pôde sentir o laço acetinado da sua infância. Um olor suave de flores modestas que a mãe sempre trazia _ a maior lembrança que fora capaz de guardar _ embaralhava-se com cheiro de fotografias guardadas e de sorrisos esquecidos. Cheiravam ironicamente como sonho posposto. Atreveu-se a olhar mais fundo, ousou ouvir mais de perto. Encontrou sua miríade de estrelas. Olhou admirada. "Não fugiram de mim. Elas, as estrelas, estiveram esperando por mim!". Perguntou-se então porque as abandonara. Não pôde encontrar respostas. Lembrou-se de como, ingenuamente, decidira não empalmar a Lua. "Era uma só. As pessoas iriam sentir falta". Riu, então. Riu sozinha. Não para agradar a ninguém. Riu para si um riso inocente e genuíno. Deixou-se avançar um pouco mais e então gargalhadas começaram a subir pela garganta, mescladas com lágrimas. Interrompeu então o riso-choro já que a maquiagem escura e o batom vermelho não podiam borrar, ou todos saberiam que estivera ali, espiando seus sonhos. Ah!, os sonhos. A canção, mais intensa do que antes, entrava agora em ressonância com sua pulsação. Seu coração batia de uma forma passional. Sentia o sonho renascer nas veias. Fechou os olhos. Ousou sentir. O Piano. As estrelas. A canção. As flores. O riso. Os passos. O laço. Os passos! Os passos! Fechou o baú rapidamente e, não mais que depressa, os passos alcançaram a porta. Deu-se conta das lágrimas que escorriam tacitamente pelo rosto e, ao invés de enxugá-las, em um lapso de solidez, chorou baixinho por um instante antes de atender à realidade.

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