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quarta-feira, junho 13, 2012

O homem que não chorava

Ouvi dizer que não chorava. A mãe morreu quando ainda criança e dizem que ele não derramou nenhuma lágrima. Eu quis ver de perto. Soube mais tarde que a primeira mulher faleceu num acidente e ele é quem dirigia o carro. De novo, nada. Ele se deitou sobre o caixão, beijou o rosto mórbido da amada, e isso foi tudo. Pensei por um momento que fosse talvez frio, sem sentimentos, sem pesar. Pensei também, talvez, que fosse forte. Forte o suficiente pra lidar com a vida e seus espantos. Mas percebi no seu andar, nos braços rígidos ao lado do corpo, na forma como olhava e não via, na forma como a vida passava por ele. Percebi que ele chorava com a alma. O seu rosto se retorcia. Ele não era ninguém. Ou pior, ele era o mesmo menino que perdeu a mãe lá atrás. Era o mesmo homem apaixonado que acabara de perder a jovem esposa. Ele era o revés em pessoa. Pobre homem, não vivia em paz. Não chorava da forma tradicional. Não com lágrimas. Chorava com os olhos, que ficavam perdidos entre os estranhos que atravessavam seu campo de visão. Chorava com as mãos, que se escondiam, acuadas, em seus bolsos o tempo todo. Chorava com o corpo rígido, com a pele pálida, com a derme gélida. Chorava com os pés pesados, com passos irresolutos. Chorava com o coração que, saltado a cada segundo, tornara-se incapaz de amar. De amar pessoas, amigos ou a arte. Chorava com o pulmão que lutava para conquistar o ar oxigenado que vinha de fora. Chorava com os rins que se exauriam tentando sobreviver a noites seguidas de bebedeira. O céu abundado de estrelas e ele tinha os seus olhos firmes no chão cinza e sujo pelo povo que passava descuidado da dor alheia. As ondas gritando, se debatendo por um olhar seu, e ele chutava a areia sem se dar conta. As árvores lhe dando sombra e soprando o vento das folhas e ele caminhava arduamente sob o Sol cálido. Ele chorava com a alma porque escolheu chorar. Porque escolheu olhar pra dentro e se esqueceu de gemer pra fora. Se esqueceu de viver pra frente e escolheu morrer com o passado. E era tão maquinal que já nem se dava conta. Não vivia mais a sua vida. Ao invés disso morria a morte de outrem dia após dia. Seria esse o seu fim?

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