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terça-feira, junho 12, 2012

Só (você)*

*Texto de Karolina Figueiredo. Encomendado por mim, risos.

eu amava as mulheres. todas elas. a feminilidade sempre me encantou mais do que um par de belas pernas. a sensualidade de me atrair pelo olhar, pelo toque meigo que apenas uma mão feminina pode oferecer, a voz suave ao acordar, a inteligência emocional, a sensibilidade, o cabelo curto e a franja caindo nos olhos. ou os cabelos longos caindo na boa. a perna arrepiada quando uma mão masculina a toca. eu amei tudo isso. amei os desafios, os jogos sexuais, as transas em lugares inusitados. tanto amei que vivi disso. toda a adolescência impulsionada por relacionamentos fugazes e perigosos. então no verão de uma década qualquer, eu esbarrei na única mulher do bar que não vestia poucas roupas. e ela não sorriu com meu pedido de desculpas, pois nem parecia reparar o mundo à volta dela, então eu insisti num drinque. ela aceitou como quem não tem nada a perder e a partir disso nos tornamos nós. foi a única mulher que me manteve mais interessado no que tinha a dizer do que a mostrar. não porque eu seja um pervertido, não me entendam mal, mas é que conversar eu posso fazer com qualquer pessoa. posso ligar pro meu psiquiatra a qualquer hora que ele me atende, mas eu era viciado em sentir o cheiro das mulheres. vê-las desfilando, se trocando, rindo de alguma piada minha, me tocando, se maquiando. cada uma fazendo as coisas à sua maneira: umas quando bravas controlam a voz quase já não suave, outras lançam olhares ansiosos e aguardam a percepção e bom senso do outro, ou as que, muito bravas, se tornam impulsivas e exalam sua raiva na altura da voz. mas você pela primeira vez me fez imaginar como seria uma mulher brigando com nossos filhos em vez de eu querer saber que som você faz quando atinge o orgasmo. você, com seus pontos de vista avessos e incomuns, me fez encontrar em você mais mulheres do que todas com as quais já dormi. e é claro que eu não descobri isso numa noite apenas. foi necessário te convidar várias vezes pra sair e forjar encontros acidentais. eu que vivia rodeado de mulheres fui atrás de você. mas você não foi suficiente. e não foi necessária muita inteligência da sua parte pra saber que vocÊ não era exclusiva. eu sempre achei que amasse mais as mulheres do que apenas uma. você sabia que eu preferia sua companhia, seu toque, seu sexo oral, sua voz agressiva, sua voz suave me ajudando a escolher a gravata. mas você também sabia que quando eu viajava a trabalho eu procurava outras mulheres, não pra suprir a sua falta física, e sim porque eu não perdia o interesse na pele, cheiro, nuca e mãos das outras mulheres. mesmo eu sabendo que eu preferia tudo em você a de qalquer outra mulher no planeta, eu nunca parei de explorar. também nunca achei uma explicação que me convencesse. até o dia que eu cheguei em casa e liguei a tv, pra te esperar, como eu sempre fazia. tudo que recebi foi uma ligação anunciando o tão fatídico acontecimento: um acidente de carro que resultou na sua morte. eu nunca havia ficado taquicardíaco e mudo, nem quando descobri que te amava, nem quando descobri que seria você com quem eu me casaria, nem quando você me confessou que me amava desesperadamente e isso te assustava. tudo isso me causou um vazio tão grande que ocupou toda a minha existência, em fração de segundos. eu nem precisei de tempo pra digerir a informação e sofrer em doses. eu era totalmente consciente do que você era pra mim. e eu que procurei todas, encontrei em você motivos pra me apegar. e obviamente minha reação natural foi me culpar, me martirizar pelos relacionamentos fora do nosso. e eu sabia que isso não fazia sentido nenhum, que vocÊ já sabia de tudo e me amava mesmo assim e que isso não te traria de volta, porém não consegui não sentir raiva de mim. raiva por ter sido negligente com a obviedade da minha preferência por você e não ter aproveitado o tempo de que eu era disponível pra ficar com você. raiva de quando fiquei com as outras se eu poderia estar com você. raiva do meu egoísmo pensar que eu nunca iria me confortar com a ideia de ter perdido você mesmo que não tenha sido algo sob o qual eu tivesse controle. e não era uma questão universal, eu não amava as mulheres, eu só ainda não tinha encontrado você. faz dois anos desde a ligação que me calaria, e eu ainda não superei meu amor, só amo você.

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