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terça-feira, junho 26, 2012

Posso?

Me desculpa a frase vulgar e pouco original, mas eu quero te conhecer, posso? Me deixa te pagar uma bebida, mas dessas que têm a dose generosa, pra que eu possa ouvir mais tempo sobre você. Mas não me leve a mal. Eu não estou aqui porque o bolso da sua calça denuncia que você pagou muito caro por ela, ou porque seus olhos são os mais lindos desse lugar. Eu estou aqui porque você tem esse ombro curvado de quem pede desculpas por algo, de quem lamenta pela vida, de quem se sente indignado. Estou aqui porque seus olhos azuis acinzentados - difícil definir com essa luz inquieta - se fecham quando você dança. Porque seus olhos não procuram um corpo atraente pra se ajuntar. E eu quero te conhecer, sim. Mas eu não quero saber qual curso você faz, nem qual seu restaurante preferido. Eu quero saber qual a primeira palavra que você disse, e do que você tem mais medo nessa vida. Eu não quero saber quantos anos você tem, nem a cidade em que você nasceu. Eu quero saber se você tinha um balanço no quintal da sua casa, e o que você pensa de pessoas que tiram a própria vida. Eu não quero saber seu endereço, nem o número do seu telefone. Eu quero saber em quem você pensa quando tudo parece meio fora do lugar, o que te tira o apetite e o que te causa calafrios. Eu quero saber quem foi a primeira pessoa que te decepcionou, e o que você acha da morte e da vida. Eu quero saber se você dorme de costas ou de barriga pra baixo e se suas mãos suam quando está nervoso. Eu quero saber se você sai e sorri quando está triste ou se você se esconde. Eu quero saber o que te emudece, e o que te faz ficar sem ar. Eu quero saber se você gosta de café forte ou de sobremesa. Eu quero saber se você fecha os olhos ou se canta alto quando ouve sua banda predileta. Eu quero saber se você segura pelas mãos pensando em nunca deixar partir. E não tem como eu saber nada disso te vendo dançar aqui de longe, ou vigiando suas redes sociais. E é por isso que eu estou aqui, te pedindo: por favor, me deixa te conhecer. Posso?

segunda-feira, junho 25, 2012

Aventura

Estar só é uma aventura. É se sentir desafiado e acordar várias vezes e pensar em todos os motivos que tornam boa a sensação de estar assim. É deitar várias vezes pensando em todos os inconvenientes. É dormir alguns dias angustiado pensando se é mesmo a melhor decisão. E em outros extasiado pelas sensações vividas em tal condição. É ter medo e faltar coragem pra mudar a própria condição. É, às vezes, não querer abandonar a própria solidão pra enfrentar o novo. É duvidar. É se perguntar. E, depois, se tranquilizar porque faz todo o sentido, pois foi sempre melhor assim. É uma liberdade condicional. É uma liberdade que não se pode dividir. Compartilhar. É uma liberdade solitária. É poder sempre experimentar o novo e ainda assim não querer. Mas estar junto não é quase tudo isso, também? Se perguntar, se assustar, suar as mãos e temer o novo? Se acomodar e encaixar a cabeça em outro peito e esperar? Dormir amando e dormir odiando às vezes? Se perguntar, duvidar, e ainda assim faltar coragem pra dar um passo? Eu não sou cética a ponto de achar que não se pode amar ou que um amor bem cuidado não possa durar pra sempre. Mas também não sou ingênua a ponto de acreditar que paixão não tem data de validade, e de achar que -sempre- o amor vem com pisca-pisca e trilha sonora que te sinalizam com toda a garantia de que é a escolha certa. Nem os muros modernos de vidro blindado do seu sonho de lar conseguem cercar as dúvidas que virão, as incertezas que repousarão sobre o seu sono, tornando-o desconfortável. Nem as fotos que você mostra pros amigos e as músicas que você canta no pé do ouvido vão impedir que, em certas noites, o travesseiro pareça pedra debaixo da sua cabeça. Nem sempre quem te ama vai te ligar de madrugada só porque não consegue dormir brigado, tornando os seus pesadelos em sonho bom. Às vezes você vai dormir odiando sua escolha. E apesar disso, vai acordar amando. Ou, no mínimo, esperando o melhor pra si. Mas é sempre assim. É essa eterna insatisfação que permeia o ser. Essa eterna negação de nossa condição limitada. Estar só é uma aventura. Estar junto também. Viver, por si só, basta pra que nos sintamos com um vento de cento e oitenta quilômetros por hora batendo no rosto e pra que sintamos a adrenalina esquentar as veias e dilatar as narinas implorando por mais um pouco de oxigênio, pra termos fôlego pra aguentar a próxima descida dessa montanha russa que é a vida.

Calma

Mais que uma necessidade, importa que o amor seja uma escolha. E que faça bem pra alma. Que venha a enlouquecer sem que faça perder o juízo. Que faça doer, mas que, concomitantemente, venha a ser a cura. Calma, importa que haja calma.

Sonho

Eu não entendo porque você disse pra minha melhor amiga que, além do que nós dois sabemos, o nosso problema era tempo. Não foi três meses nem duas semanas nem cinco dias, mas um ano que a gente enfrentou só com ligações e mensagens de celular e finais de semanas corridos e intensos, e o nosso amor pareceu dar conta, não? Eu não entendo, porque eu nunca te disse que a gente, só, não bastava. Eu não tenho dez anos de idade e por isso não vou dizer por aqui que nada disso me aflige, e nem vou mentir por aí que eu sei amar apenas quem me ama de volta. Eu não vou negar que meu coração doeu várias vezes por dia todos os dias até hoje. Mas é que hoje, pela primeira vez, em meu coração sobrou espaço pra eu sentir um pouco de raiva. Raiva da sua displicência e do seu descaso com esse fim torto e frio. E nem é isto que me incomoda: já faz algum tempo que eu parei de desejar as respostas certas pra minhas perguntas e resolvi seguir em frente. Mas é que você não pode. Não pode dizer que me ama demais e que tem medo de nunca mais amar ninguém dessa forma e logo depois sumir e me magoar conscientemente e depois por um fim em tudo dizendo ter medo de me magoar novamente. Você não pode me ligar no meu aniversário e me desejar os parabéns fingindo que não ignorou a mensagem enorme que eu deixei na sua caixa de entrada contando toda a minha dor. Você não pode ficar aí do outro lado fingindo que não é nada. Não pode porque nada disso faz sentido. Então, faz favor, seja coerente, pega seu celular, me liga e diz: 'há muito tempo eu deixei de te amar, e é por isso que eu não me importei em responder a sms que você me enviou numa madrugada qualquer. Ei, eu não quero ser seu amigo, não. Eu só disse isso naquela conversa porque é isso que as pessoas esperam de mim. E é isso que eu estou fazendo: dizendo às pessoas o que elas querem ouvir. Porque, eu?, eu não me importo. Mas olha, eu não te contei porque não queria te magoar.' E sabe o que eu vou dizer: tá tudo bem. Porque isso assim, claro, preto no branco, isso é mais fácil de aguentar. Hoje, no meu coração, sobrou espaço pra eu achar que o nome disso tudo é fraqueza. Não tem culpa você não me amar, eu posso lidar com isso. Mas não finge que não é nada. Esse texto eu escrevi ontem num papel e ele acabaria aqui, não fosse o fato que eu dormi e sonhei com você. Pela terceira noite seguida, creio eu. Mas este sonho foi mais forte, mais marcante, mais real. E, nesse sonho, você morreu. E eu nem me lembro de ter visto seu rosto ou de ter ouvido a sua voz ou de ter te tocado. Mas eu me lembro que todo ele foi em volta deste fato. E, no sonho, eu chorei na frente de todos sem parar, e até me senti culpada. E sabe como eu acordei? Com os olhos encharcados, com o peito doendo, com uma angústia desesperada e vontade de gritar. Depois de pensar que o sonho não tem nada a ver, eu comecei a achar que ele tem muito a ver. Há o que eu considero muito tempo eu não sei de você, eu não ouço de você, como se você tivesse escolhido morrer pra mim. E eu até me culpei por tudo isso mas eu sei que não devo. E eu chorei e fui fraca e me expus pra quem quisesse ver. E eu não gosto muito de sonhos quando eles parecem muito reais, porque trazem à tona coisas adormecidas. E parece que a gente acredita tanto que é verdade, que todo o sentimento toma conta do nosso coração como se fosse isso mesmo. Mas hoje eu estava andando e pensando nisso, e pensei que, talvez, isso tenha um lado bom. Talvez você esteja desocupando a minha consciência pra tomar lugar no meu subconsciente. E isso vai ser apenas por algum tempo. Daqui a pouco você não vai mais ser meu dia-a-dia, como o tem sido: vai ser lembrança. E depois de mais um tempo eu vou me esquecer de lembrar e, apenas um dia ou outro, alguma música ou um cheiro vai me lembrar de algo que eu não sei o quê. E, no início, eu vou saber que é de você, mas vai chegar o tempo que eu não saberei mais dizer do que eu sinto nostalgia. E vai se passar mais algum tempo até que outros cheiros e outras músicas me façam lembrar de outros momentos bons e de outras pessoas, e até que tudo isso fique  impregnado única e simplesmente nestas palavras que aqui estou deixando como prova. Não há objetivo algum em vir aqui e escrever sobre todas essas coisas. Mas isso me faz mais leve. Já pensei em apagar este blog, pra nunca mais escrever sobre você. Mas aí eu penso que só me faria mal. Perdoe-se me as sucessivas digressões. Mas não há objetivo algum porque você não vai ler nenhuma dessas palavras. Mas é que tem outras pessoas que passam aqui de vez em quando, e é como já dizia a Tati: publicar é uma forma de pedir emprestado o peito do outro porque no meu não cabe essa dor. Pelo menos é assim que eu me lembro das palavras. Mas não importa. Esse texto não tem nenhuma frase final, nenhuma conclusão. Porque esse é daqueles textos que eu não escrevi pra alguém ler ou achar bonito ou gostar de como as palavras soam. Esse texto é pra me servir, pra me esvaziar desses pensamentos, pra me desaturdir. Porque tenho sido muito prolixa quando o assunto é você e eu já me esgotei de falar - acho que eu já disse isso, né?

[...]
"A tristeza me fez um milhão de vidas essa semana. Um milhão de almoços e jantares e projetos. Eu sorrindo, implorando às distrações que me levem, que façam remendos em meu peito perfurado pela violência do ar que não assovia mais os seus sons.
A tristeza me fez cortar o cabelo e pintar de loiro. E me fez aumentar os pesos do pilates. E me fez prometer alguma sedução para alguém que jamais receberá nada de mim. Não existe nada mais triste do que essas coisas de dar a volta por cima e essas coisas de tocar o barco e essas coisas de sacudir a poeira e essas coisas medonhas que a gente fala ou pensa ou ouve. A tristeza são frases vazias e feitas e tediosas saindo de bocas vazias e feitas e tediosas."*

*Trecho do texto Triste, de Tati Bernardi.

sábado, junho 23, 2012

Presente

Veio embalado, e o embrulho era tão bonito que eu tive medo de me decepcionar outra vez. Abri com medo e, não fosse o cartão que dizia ser pra mim, eu não acreditaria. Era melhor do que eu podia esperar. Não. Era muito mais do que isso: era melhor porque eu não esperava. Eu que tinha conseguido colocar a dor num canto seguro do meu coração, eu que já tinha me habituado a ela, que já conseguia dormir em paz apesar dela, que já conseguia andar sem tropeçar no próprio pé, que já conseguia sorrir sem precisar de motivos pra isso, eu achei que estava no cume. Achei que era o melhor que a vida poderia me oferecer. Eu não esperava que a vida, como uma surpresa agradável, te pusesse na minha porta dizendo que queria segurar as minhas mãos e me levar pra algo novo. Dizendo que havia no mundo mais do que meu quarto e meu computador, e que lá fora a vida podia também ser interessante. Não esperava você tentando me convencer de que a vida pode ser mais do que a dor. E que eu não precisava de ser madura para lidar com a dor se você podia me mostrar outra fonte de felicidade. Perdoa o meu medo e a minha indignação. Mas é que ser amada sempre foi demais pra mim. E, se eu tivesse escolha, eu estaria agora rejeitando cada passo que você dá em minha direção. Mas desta vez eu não sou capaz, porque você me prendeu dentro dos seus olhos. E as suas palavras todas parecem querer dizer: vem, que eu tenho algo mais pra te dar. Desculpa, mas é difícil entender que um anjo assim saia do jardim-paraíso e venha só pra me buscar do meu poço fundo. Sorriso bobo no rosto, mãos trêmulas e estômago nauseado, mas tudo, desta vez, por um bom motivo: você. E eu. Você e eu. Por tempo indefinido. Eu não toquei seu rosto. Eu não senti sua boca ainda. Mas vai ser em breve, meu bem. E eu sei que vai ser melhor do que tudo.

Cura

Tenho me tornado monotemática e, o pior, verborrágica. Meus pensamentos são reticentes e meu silêncio, irresoluto. Não é que eu queira falar de você. Na verdade eu não quero. Eu apenas falo e parece ser maquinal às vezes. Hoje eu dei um passo. E, por mais que possa parecer que tenha sido um passo na sua direção, eu sei que o que eu desejava era ir na direção contrária. Como se significasse 'ei, já há algum tempo eu estou pronta pra partir'. Eu quis me dirigir a você. Eu quis falar com você. E quando o quis, desta forma o fiz. E, por isso, sou leve agora. Eu não guardei nem mágoa, nem amor, nem saudade, nem sentimento qualquer destes que encheram o meu peito. Tudo isso o disse da forma como me veio no peito e como me subiu à boca. Tudo isso pus pra fora com muita sinceridade e pouca reserva. Não o fiz por ti. O fiz por mim, creia-me. E, se eu me dirigir a você, não me tome por inconsequente: eu bem sei o caminho das coisas. A minha palavra diz o que quer dizer. Eu, que sempre fiz questão de ser bem interpretada, muito me explico quando se faz necessário. Mas, quando a palavra é pouca, é igualmente pouco e simples o que quero dizer. Eu sei que o mundo pode me tomar erroneamente pela forma como me manifesto. Mas eu conheço as minhas motivações, e isso tem bastado pra minha consciência. Eu tenho dormido tranquila, eu tenho me sentido muito bem só, eu tenho tido apetite e tenho saído do meu buraco escuro. Eu tenho pensado em muitas coisas diferentes de nós. E, quando você me vem à mente, vez em sempre, é com paz que meu coração abarca esses pensamentos.  E eu enfrento a dor, e não a postergo, pois quando o meu passo for na direção de outro alguém, eu sei que vou estar limpa e sem sequer desejar olhar pros lados pra ver se você está ao meu alcance. Eu não tenho procrastinado a minha paz, sequer os meus afazeres. Porque a vida não espera, e é aqui e agora que eu vou me curar de você.

quinta-feira, junho 21, 2012

Fica

Não vai. Fica. Eu sei que eu não tenho sido a melhor companhia nos últimos tempos, mas é só você que me deu esperança de que eu poderia amar novamente. Espera. Senta do meu lado. Entrelaça seus dedos nos meus como costuma fazer, segura firme. Finge que nunca vai soltar. Me olhe nos olhos e me constranja. Eu sei que eu não te amo agora, mas se você me der algum tempo. É só o teu braço quente que eu quero agora, e a sua paciência. Eu sei que você me esperou por dias e meses e anos e eu não posso prometer que chegaremos a lugar algum. Mas eu gostaria de que você esperasse que os meus pés estivessem firmes antes de voltar a caminhar novamente. Pra, quem sabe, assim poder andarmos juntos. Gostaria de que você esperasse que essas feridas no meu peito virassem cicatrizes, e que as cicatrizes virassem passado, antes que enfrentássemos esse vento que ameaça vir. Eu sei, não vai ser fácil, mas eu juro que me esforço. A vida debulhou-me, desfez-me, me pôs em pedaços pequenos. E hoje eu sou tão pedaços que já nem me lembro a razão de assim estar. Mas é que hoje eu olhei nos seus olhos e tive esperança. Esperança de que algo novo e que, ao mesmo tempo, sempre esteve aqui, essa mistura de ansiedade e chão-firme, esperança de que isso, sim, seja a resposta pra o que eu estou sentindo agora. Me dá um tempo e, eu juro, eu sei que posso te amar.

segunda-feira, junho 18, 2012

Caminho em frente por sentir vontade.

Eu estou disposta a esquecer-nos de vez, a deixar pra trás, a ser passado. A ver esse 'nós' como pó de mobília velha, que a gente limpa pra fazer parecer nova. Eu estou disposta porque, mesmo com tudo aquilo que me dizia que poderia não ter sido, eu soube ser. E fui da melhor forma. Eu estive, eu vivi, eu senti. Eu simplesmente fui. Eu não amei com medo, eu não abracei com receio, eu não segurei fracamente pelas mãos. Então sei que não há nada de que eu precise me arrepender agora. Eu estou disposta a nos deixar pra trás, a me lembrar dos momentos bons e desejar tudo isso, de novo, mas com outro alguém. E enquanto não houver outro alguém, eu estou disposta a ser feliz só, sem precisar colocar o seu rosto na minha esperança, sem precisar colocar sua presença no meu futuro. Eu estou tão disposta que está começando a funcionar. Eu estou disposta a não te falar da minha vida, não por acreditar que você não dá a mínima, mas porque eu não dou. Eu estou começando a não desejar dividir com você, a não esperar que você estivesse, a não querer que você fosse.
Eu fiquei tão zonza de tanto pensar em nós dois nas últimas semanas que eu só quero conseguir dar um passo à frente sem tropeçar. Eu me tranquei no meu quarto por tanto tempo, eu me afundei tanto no colchão sem conseguir dormir, que me obriguei a enfrentar cada pensamento meu, por mais dolorido que fosse. Porque eu sabia que não fazia sentido, que a humanidade tem problemas demais, que as pessoas passam por problemas reais, e que eu não poderia não saber enfrentar esse ínfimo desvio de curso, essa dor vulgar. Eu pensei tanto em tudo isso, que as pessoas me perguntam de nós dois e pela primeira vez eu não tenho nem vontade de falar, porque parece que já cheguei a todas as conclusões, e que nem sofrer mais faz sentido. Nem reviver tudo vai fazer melhorar ou doer mais. Não há nenhum efeito ansiolítico nem mesmo em esperar naquilo que fomos. Tem pessoas me cercando e esperando só meu coração se sentir pronto pra amar. Tem pessoas à minha volta tentando me amar e eu não quero nem te contar isso. Tem pessoas querendo me emprestar o peito pra apoiar a dor que eu andei sentindo. E eu só quero sobreviver. E estou disposta a muito, muito mais do que isso.

sábado, junho 16, 2012

Reexistir

A arte pode se revestir de tantas formas aos nossos olhos, ouvidos, aos nossos sentidos. Viver é ressignificar diariamente o que recebemos do mundo. Vivemos em ciclos, e o que muda é a forma como recebemos e como respondemos aos estímulos que a vida nos dá. Se isso não é amadurecer eu não sei o que é. Não basta existir. É necessário reexistir. Hoje ouvi essa música, talvez, pela milésima vez. E ela conseguiu passar pelos meus ouvidos trazendo sensações e significados muito novos:

Eu acho que tenho certeza daquilo que eu quero agora
Daquilo que mando embora, daquilo que me demora
Eu acho que tenho certeza daquilo que me conforma
Daquilo que quero entender, e não acomodar com o que incomoda
Não acomodar com o que incomoda mais
E quando eu vou é quando eu acho que onde é que eu tô é pouco e tanto faz
Seja o que for, seja o que surge e some, seja o que consome mais
Seja o que consome mas... Faz
E a historia que nem passou por nós direito ainda, pra onde é que foi?
"Criado Mudo - O Teatro Mágico"

quarta-feira, junho 13, 2012

O homem que não chorava

Ouvi dizer que não chorava. A mãe morreu quando ainda criança e dizem que ele não derramou nenhuma lágrima. Eu quis ver de perto. Soube mais tarde que a primeira mulher faleceu num acidente e ele é quem dirigia o carro. De novo, nada. Ele se deitou sobre o caixão, beijou o rosto mórbido da amada, e isso foi tudo. Pensei por um momento que fosse talvez frio, sem sentimentos, sem pesar. Pensei também, talvez, que fosse forte. Forte o suficiente pra lidar com a vida e seus espantos. Mas percebi no seu andar, nos braços rígidos ao lado do corpo, na forma como olhava e não via, na forma como a vida passava por ele. Percebi que ele chorava com a alma. O seu rosto se retorcia. Ele não era ninguém. Ou pior, ele era o mesmo menino que perdeu a mãe lá atrás. Era o mesmo homem apaixonado que acabara de perder a jovem esposa. Ele era o revés em pessoa. Pobre homem, não vivia em paz. Não chorava da forma tradicional. Não com lágrimas. Chorava com os olhos, que ficavam perdidos entre os estranhos que atravessavam seu campo de visão. Chorava com as mãos, que se escondiam, acuadas, em seus bolsos o tempo todo. Chorava com o corpo rígido, com a pele pálida, com a derme gélida. Chorava com os pés pesados, com passos irresolutos. Chorava com o coração que, saltado a cada segundo, tornara-se incapaz de amar. De amar pessoas, amigos ou a arte. Chorava com o pulmão que lutava para conquistar o ar oxigenado que vinha de fora. Chorava com os rins que se exauriam tentando sobreviver a noites seguidas de bebedeira. O céu abundado de estrelas e ele tinha os seus olhos firmes no chão cinza e sujo pelo povo que passava descuidado da dor alheia. As ondas gritando, se debatendo por um olhar seu, e ele chutava a areia sem se dar conta. As árvores lhe dando sombra e soprando o vento das folhas e ele caminhava arduamente sob o Sol cálido. Ele chorava com a alma porque escolheu chorar. Porque escolheu olhar pra dentro e se esqueceu de gemer pra fora. Se esqueceu de viver pra frente e escolheu morrer com o passado. E era tão maquinal que já nem se dava conta. Não vivia mais a sua vida. Ao invés disso morria a morte de outrem dia após dia. Seria esse o seu fim?

terça-feira, junho 12, 2012

Passa

Hoje pela primeira vez meu estômago acordou calmo. Hoje pela primeira vez meu cérebro pensou em outras coisas antes de você. Hoje pela primeira vez eu não senti desespero. Talvez uma palavrinha sonoramente até parecida, mas desespero não. Hoje pela primeira vez eu sinto esperança. Não dá pra apostar muito alto no que eu estou sentindo hoje. Acho que eu estar escrevendo sobre você prova a obviedade disso. Mas hoje pela primeira vez eu não tenho pressa de que passe. Paz, eu acho que é a palavra certa. Porque pela primeira vez eu sei que vai passar.

Só (você)*

*Texto de Karolina Figueiredo. Encomendado por mim, risos.

eu amava as mulheres. todas elas. a feminilidade sempre me encantou mais do que um par de belas pernas. a sensualidade de me atrair pelo olhar, pelo toque meigo que apenas uma mão feminina pode oferecer, a voz suave ao acordar, a inteligência emocional, a sensibilidade, o cabelo curto e a franja caindo nos olhos. ou os cabelos longos caindo na boa. a perna arrepiada quando uma mão masculina a toca. eu amei tudo isso. amei os desafios, os jogos sexuais, as transas em lugares inusitados. tanto amei que vivi disso. toda a adolescência impulsionada por relacionamentos fugazes e perigosos. então no verão de uma década qualquer, eu esbarrei na única mulher do bar que não vestia poucas roupas. e ela não sorriu com meu pedido de desculpas, pois nem parecia reparar o mundo à volta dela, então eu insisti num drinque. ela aceitou como quem não tem nada a perder e a partir disso nos tornamos nós. foi a única mulher que me manteve mais interessado no que tinha a dizer do que a mostrar. não porque eu seja um pervertido, não me entendam mal, mas é que conversar eu posso fazer com qualquer pessoa. posso ligar pro meu psiquiatra a qualquer hora que ele me atende, mas eu era viciado em sentir o cheiro das mulheres. vê-las desfilando, se trocando, rindo de alguma piada minha, me tocando, se maquiando. cada uma fazendo as coisas à sua maneira: umas quando bravas controlam a voz quase já não suave, outras lançam olhares ansiosos e aguardam a percepção e bom senso do outro, ou as que, muito bravas, se tornam impulsivas e exalam sua raiva na altura da voz. mas você pela primeira vez me fez imaginar como seria uma mulher brigando com nossos filhos em vez de eu querer saber que som você faz quando atinge o orgasmo. você, com seus pontos de vista avessos e incomuns, me fez encontrar em você mais mulheres do que todas com as quais já dormi. e é claro que eu não descobri isso numa noite apenas. foi necessário te convidar várias vezes pra sair e forjar encontros acidentais. eu que vivia rodeado de mulheres fui atrás de você. mas você não foi suficiente. e não foi necessária muita inteligência da sua parte pra saber que vocÊ não era exclusiva. eu sempre achei que amasse mais as mulheres do que apenas uma. você sabia que eu preferia sua companhia, seu toque, seu sexo oral, sua voz agressiva, sua voz suave me ajudando a escolher a gravata. mas você também sabia que quando eu viajava a trabalho eu procurava outras mulheres, não pra suprir a sua falta física, e sim porque eu não perdia o interesse na pele, cheiro, nuca e mãos das outras mulheres. mesmo eu sabendo que eu preferia tudo em você a de qalquer outra mulher no planeta, eu nunca parei de explorar. também nunca achei uma explicação que me convencesse. até o dia que eu cheguei em casa e liguei a tv, pra te esperar, como eu sempre fazia. tudo que recebi foi uma ligação anunciando o tão fatídico acontecimento: um acidente de carro que resultou na sua morte. eu nunca havia ficado taquicardíaco e mudo, nem quando descobri que te amava, nem quando descobri que seria você com quem eu me casaria, nem quando você me confessou que me amava desesperadamente e isso te assustava. tudo isso me causou um vazio tão grande que ocupou toda a minha existência, em fração de segundos. eu nem precisei de tempo pra digerir a informação e sofrer em doses. eu era totalmente consciente do que você era pra mim. e eu que procurei todas, encontrei em você motivos pra me apegar. e obviamente minha reação natural foi me culpar, me martirizar pelos relacionamentos fora do nosso. e eu sabia que isso não fazia sentido nenhum, que vocÊ já sabia de tudo e me amava mesmo assim e que isso não te traria de volta, porém não consegui não sentir raiva de mim. raiva por ter sido negligente com a obviedade da minha preferência por você e não ter aproveitado o tempo de que eu era disponível pra ficar com você. raiva de quando fiquei com as outras se eu poderia estar com você. raiva do meu egoísmo pensar que eu nunca iria me confortar com a ideia de ter perdido você mesmo que não tenha sido algo sob o qual eu tivesse controle. e não era uma questão universal, eu não amava as mulheres, eu só ainda não tinha encontrado você. faz dois anos desde a ligação que me calaria, e eu ainda não superei meu amor, só amo você.

Mensagem

Ele desceu as escadas do escritório às 16h como de costume. E, como de costume, não voltou pra casa. O celular vibrou. Ele rejeitou a ligação e mandou a mensagem típica: 'Estou em reunião'.

Ela terminou de lavar a louça do almoço nas exatas 16h, como acontecia todo santo dia. Ela olhou em volta. Tédio. Ninguém. Mas que bom, eu tenho alguém que me ama. Isso basta, não? Vou ligar pra ele...

Ele sacou o telefone, ligou pra outra. Chamou, chamou e nada. Então ele entrou no carro e se dirigiu à casa dela, como sempre fazia. Decidiu tentar uma SMS.

Ele estava em reunião. Então ela se sentou no sofá pensando em como a sua vida era vazia. A sua única paz era a presença dele. Apenas. Se acostumara tanto com aquilo que desconhecia qualquer outra forma de vida. 'Só mais umas duas horas até ele chegar, calma...'

Ele digitou a mensagem: "Tô morrendo de saudade, Ju... já tô indo pra tua casa, meu amor... me atende logo. Prepara algo pra comermos que hoje eu posso ficar até mais tarde, falei pra 'ela' que tô em reunião."

Ela recebeu uma mensagem estranha no celular: "Tô morrendo de saudade, Ju... já tô indo pra tua casa, meu amor... me atende logo. Prepara algo pra comermos que hoje eu posso ficar até mais tarde, falei pra 'ela' que tô em reunião."

Ele se deu conta, de repente, que enviou a mensagem pro número errado. 'E agora, o que faço?'. Não tinha muito o que ser feito. Parou o carro, respirou fundo, pensou em alguma mentira satisfatória para o ocorrido... mas estava tão nervoso que não conseguia pensar em absolutamente nada.

Ela se perguntou sobressaltada 'quem é Ju?'. Depois, indignada 'eu sou 'ela', assim, com aspas?'. Enfim, fez a pergunta certa: 'quem é este homem que eu amo?'.

Ele decidiu ligar de volta pra pedir desculpas pela mensagem que o amigo enviou pelo seu celular e esqueceu de assinar e acabou mandando pro número errado e que poderia causar algum transtorno caso ela entendesse mal. Mas ela não atendeu. 

Ela, com sua autoestima no ponto mais baixo da escala internacional de autoestima, com a depressão no seu ápice, se perguntava o porquê. O que tinha feito de tão errado. E agora, o que faria?

Ele deu meia volta no carro. 'Droga, o que eu menos preciso agora é de uma discussão. Nossa, e se todo mundo ficar sabendo vão me crucificar... E meus pais? Droga, na festa de família semana que vem, como eu vou contar pra eles se ela não quiser ir comigo?'

Ela, conclusiva, sentou-se no sofá e começou a repetir 'Eu não posso viver sem ele. Eu não sei. Simplesmente não sei. Mas isso é demais. É demais pra mim. O que eu faço agora?'

Ele, uns vinte e cinco minutos depois, estacionou na porta de casa e nem trancou o carro quando entrou em casa. Gritou por ela desesperadamente. 'Mas ela com certeza foi pra casa de alguma amiga...'. Ele se esqueceu de que ela não tinha amigas.

[...]

Ele, sentado no sofá, apreciando compulsoriamente o silêncio da casa, ouviu gotas de água caindo. De onde vinham? Ele tentou seguir o barulho, chegando rapidamente no banheiro. E lá estava ela, numa banheira cheia de sangue, com os pulsos muito bem cortados, o rosto patético e uma faca de cozinha jogada de lado.

domingo, junho 10, 2012

Visita

Eu olho pro meu prato e penso no quanto minha mãe se esforçou pra me fazer comer. Tem tantas cores nele que, se eu tivesse algum apetite, devoraria tudo sem sequer sentir o gosto. Eu olho pro meu prato mas minha atenção está só parcialmente nele. O telefone toca e meu coração pula enquanto eu viro o meu tronco na direção do barulho. Depois eu rio da minha ingenuidade. É claro que não é ele. Não é como se ele fosse ligar pra avisar que está chegando. Mas eu sei que está. Eu volto os olhos pro prato e brinco com o bife, pico ele em mil pedaços que eu sei que eu não vou comer. E então eu penso que eu nunca deixei de ser criança. Então porque essa dor tão adulta? Mas calma, ele vai chegar, ele já está vindo. De novo meu coração começa a pular antes que eu tome consciência de que um carro atravessa a rua. Mas não é ele, claro. Não é como se ele fosse chegar de carro e buzinar e tocar a campainha e dizer 'oi'. Então eu rio de novo pra mim mesma pensando como seria engraçado se ele fizesse isso. Mas é mais complicado, eu sei. Passo a mão na franja que escapole do rabo de cavalo que eu fiz porque um dia alguém me confessou que gostava assim. Mas faz tanto tempo que eu mal me lembro quem. Então eu junto coragem e engulo um pouco de arroz com salada só pra minha mãe ficar satisfeita. Mas eu estou tão ansiosa esperando ele chegar que eu nem consigo comer. Ele não me disse que viria mas eu sei que vem. E eu sei que vai ser em breve, porque eu tenho esse nó no estômago e esse suor na palma das mãos e essa cabeça avoada e esse coração batendo acelerado e isso só acontece quando ele vem me visitar. E eu não sei nem como ele se chama, cada um chama de um jeito, mas chamo ele do nome mais genérico, com medo de errar. Alguns o chamam de paixão, uns de atração física, outros de pura biologia, outros de irracionalidade, outros de babaquice. Eu... eu o chamo de AMOR, e sei que ele vem me buscar... um dia a gente se acerta e fica em paz pra sempre, e ele vai me levar pra esse ponto na estrada onde haverá alguém me esperando e desejando ser meu.

sábado, junho 09, 2012

Procuro a solidão, como o ar procura o chão.

Meus passos me levam pra onde o silêncio domina. Meus pés caminham na direção onde parece não haver ninguém. Meu corpo prefere o meu quarto escuro e frio, onde eu posso lavar meus olhos enquanto meus pensamentos cegam a minha mente. Meus pensamentos me adoecem. Mas depois me fortalecem, creio eu. O que será de mim, se não puder enfrentar minha própria solidão? Meus arrependimentos, remorsos, meus fantasmas pessoais? Minha dor é minha, minha alegria também. Tenho tesouros, o que se costuma chamar de amigos, e estes, eu creio, se pudessem, carregariam um pouco dela pra mim. Mas não podem. Procuro a solidão, seja ela de tormento ou paz. Procuro a solidão porque preciso reaprender a lidar. Porque à noite, quando tudo escurece, e não há maquiagem, não há vozes, não há máscaras, não há mentiras, não há verbos, sou só eu e mim. E é hoje, como sempre foi. Ou como nunca deixou de ser.

sexta-feira, junho 08, 2012

Sense.

[...] Houve um momento desse nosso amor em que eu apostei meu último fôlego e resolvi esperar pelo dia em que as cartas fossem dadas em meu nome, em meu lugar. E você as deu. Alívio. Depois o desespero, porque foi na hora errada. Eu pensei, amor, que isso pudesse ser daqui a um ou seis anos, quando eu me formasse e eu fosse pra uma cidade muito longe da sua, ou quando a gente achasse que estava cansado um do outro. Eu não sei você, meu bem, mas eu acho que eu nunca iria me cansar de você. Eu acho que nós poderíamos passar todo o nosso futuro pensando que não temos futuro, e ainda assim nós iriamos nos amar. Ia passar um dia e um mês e um ano e um filho e nós pensaríamos ‘será que isso é o melhor?’, mas nós nos amaríamos tanto que não teríamos coragem de arriscar. Eu não iria me esgotar de você, eu iria viver pra sempre nesse limbo entre a incerteza e uma felicidade estonteante porém incompleta. Como explicar? Isso não faria sentido pros meus amigos nem pros seus pais nem pra muita gente nem pra única pessoa que vai ler este texto porque é a única pessoa que sempre lê o que eu escrevo. Mas faz tanto sentido pra nós dois. Eu não posso te culpar porque eu te entendo. Esse é o único ponto onde eu e você não conseguiríamos apostar tão alto, só torcendo pra que desse certo. Esse é o único ponto onde -conscientemente falando- nenhum de nós está(ria) disposto a ceder. E eu vou tentar acreditar que essa é a razão por ora, porque não quero me deixar ser invadida por esses pensamentos que me dizem que eu não significo mais nada pra você. [...]

I want you to notice when I'm not around. I wish I was special.

Você sabe o que é ter a mesma coisa na cabeça vinte e quatro horas por dia? Você sabe o que é ter o mesmo assunto voltando a todo segundo, tomando conta de toda a tua atenção? Você sabe o que é acordar no meio da noite e, antes de tomar consciência de sua existência, estar pensando em alguém, e então não conseguir voltar a dormir? Você sabe o que é, literalmente, sentir o coração acelerar no peito? Você sabe o que é ficar o dia inteiro com um nó no estômago que te atrapalha a comer, e que por isso você só come depois que seu corpo implora, e que te atrapalha a respirar, e que por isso há dias que você só respira superficialmente? Você sabe o que é aceitar com seu cérebro, entender que é racional e que, talvez, seja mesmo a melhor opção, mas ainda assim sentir vontade, a cada minuto, de chorar, e de ser capaz de tomar alguma atitude justificável para mudar o imutável? Você sabe o que é querer voltar no tempo e fazer algo diferente mesmo achando que todo passo seria em vão? Você sabe o que é amar e não se sentir amado de volta? Se sim, então você provavelmente sabe o que é sofrer por amor.