Páginas

sexta-feira, setembro 27, 2013

Comunicação Não-Violenta

Para quem tiver a oportunidade, recomendo fortemente uma pausa para a leitura:

Esse texto fala sobre como estamos habituados a nos comunicar de forma violenta, e de como isso nos impede de nos conectar efetivamente com as pessoas. É preciso entender que respeito e compaixão são necessários mesmo, e principalmente, quando se discorda de algo ou alguém. Quando alguma necessidade/desejo não nos é atendido ou saciado, nós muitas vezes reagimos de forma agressiva com o outro e - por que não? - com nós mesmos.
Usamos um esquema de culpabilização, seja das circunstâncias, do outro, ou de nós, ao invés de assumirmos responsabilidade por nossa parte em cada acontecimento. Ao fazer uma análise clara e detectar qual é a nossa participação naquele resultado, porque não sermos transparentes quanto a isso e fazermos algo para mudar? É muito fácil culpar o outro, ou culpar a si mesmo e pedir desculpas vazias, e assim encerrar um assunto ou discussão. Mas com essa atitude nós não estamos nos conectando nem enriquecendo nossas relações, e sim fugindo daquilo que realmente nos aflige, pois evitamos nos aprofundar em uma discussão aparentemente densa, em busca do que foi que de fato gerou insatisfação.
Para isso nós precisamos exercitar honestidade e leveza. Honestidade para reconhecer a nossa participação e assumir diante dos outros o papel exercido por nós, sem que isso signifique culpa, vergonha ou punição. E leveza para dizer ao outro aquilo que, nele, nos atinge, incomoda, sem que isso pareça uma acusação ou ameaça. Os conflitos devem ser resolvidos, ou não seremos nunca capazes de nos relacionar intimamente com ninguém, já que toda e qualquer relação humana resultará, com maior ou menor frequência e em maior ou menor grau, em conflito, e se nossa única reação for a fuga, nunca formaremos um vínculo efetivo.
Parte da tentativa de agir com leveza tem, creio eu, a ver com evitar generalizações ou reducionismos. Só porque alguém agiu de forma egoísta por um momento, não quer dizer que tal pessoa seja sempre autocentrada e incapaz de agir com generosidade. Por isso, seria bom evitar pensamentos reducionistas, taxativos, que desconsideram a possibilidade de se reverter um comportamento. Até por que esse tipo de discurso não abre muito espaço para se acreditar que maus hábitos podem com esforço, sim, morrer, ou para aceitar que o ser humano mais “erra” do que “acerta”. Isso sem falar de que, quando julgamos, o fazemos de acordo com a nossa perspectiva. Tudo começa com a NOSSA projeção do que seria um comportamento ideal vindo do outro. E quando o outro age de determinada forma, acreditamos que ele age motivado pelas mesmas forças que nos movem, quando na verdade o outro tem motivações e impulsos diferentes dos nossos.
Ao se comunicar, o alvo não deve ser encontrar um responsável, culpabilizar alguém, e sim achar um modo de reverter uma situação ou comportamento. Um clima hostil com tom de ameaça e de provocação podem minar totalmente as chances de que as relações evoluam de forma benéfica. Franqueza, empatia e compaixão podem nos ajudar a nos colocar de forma mais humana diante do outro, e fazê-lo baixar a guarda e, em retorno, se comunicar de forma amistosa, favorecendo assim uma relação saudável e construtiva.
Por fim, vale lembrar que mudança de comportamento exige muita autoanálise e observação de si e do que está ao redor, além de vontade genuína e esforço contínuo.

Quases

Se eu pudesse resumir nós dois em uma palavra, seria essa. É que a nossa história foi uma curta e intensa sucessão de 'quases'. A começar pelo começo que foi por pouco. Foi bem entre aqueles dois minutos de eu e você, exatamente ao mesmo tempo, esperando o elevador, que a gente começou. Eu estava meio bêbada, como quase nunca fico, e você carente, como quase nunca está. Uma implosão de acasos resultou nos seus lábios sobre os meus de uma forma incerta e tímida. Você quase me ligou no dia seguinte, mas não me ligou porque ainda era cedo. Dias depois a gente se esbarrou em uma festa qualquer e você quis me beijar. Eu quase disse que não, mas cedi. Depois disso a gente passou a se ver com frequência. Eu quase disse que era melhor não, mas nunca disse. Você quase me avisou que nunca daria certo, mas não o fez. E então a gente mergulhou um no outro. Mas não por inteiro. Só quase. Como quem nada sem afundar a cabeça dentro d'água, sabe? Era quase ótimo. Era quase verdadeiro. Você quase gostou de mim e eu quase quis acreditar. Mas a gente nunca realmente chegou lá.
Todo o dia era quase o fim, mas nunca era. Então tudo foi crescendo até quase virar algo grande, e a gente se viu prestes a atravessar a linha. Eu quase mudei por você e você quase enfrentou o mundo por mim. Mas na hora H, a gente viu que não era assim tão adulto, só quase... então a gente calou a boca e o espírito e voltou pro nosso confortável quase, que não precisa 'sim' nem 'não', onde tudo é devagar e sem pressa. Onde tudo pode ficar pra depois, afinal, ninguém sabe mesmo o que vai ser, não é mesmo? E aí a gente esperou esperou, até que o quase foi diminuindo e se acabando, e até que ele se tornou tão fraco que você foi levando suas coisas embora do meu apartamento, e eu fui tirando suas fotos do meu celular, e até que a gente quase não se via, quase não se falava, e enfim, assim, quase mesmo sem doer, o nosso quase virou nada. Só um quase: nada digno de se lembrar.

quarta-feira, setembro 04, 2013

Aquela música era sobre você*


O ano era 1990 quando eu assisti a este por-do-sol pela primeira vez. Eu tinha quatorze anos. Eram as férias de dezembro. Estávamos longe de ter imóveis no litoral. Nestas férias que sofri o acidente submarino que me concedeu inúmeras perfurações no tímpano direito, uma cirurgia com problemas pós-anestésicos e diminuição da capacidade auditiva. Lembro muito bem de tudo. Eu acordava, comia muitos pães com qualquer coisa dentro, bebia um copo gigante de Nescau (não era esse horrível 2.0) e ia apressado para a praia. Lá eu ficava o dia inteiro. Acredito que meu corpo cansava de produzir melanina - não tinha mais espaço para a molécula da melanina nas células. Todo dia, o dia inteiro era feliz. Eu e o mar e os colegas que insistiam em atravessar a arrebentação com o filho de Poseidon. Como eu disse, lembro muito bem de tudo. Quando o dia ia terminando e o sol caminhava para a morte meu humor sofria alteração significativa. Eu saía do mar, me secava, pegava meu walkman (de fita cassete), sentava a uma distância segura de todos de modo que eu não seria importunado e me sentisse próximo e "dava play". A música que tocava era sempre a mesma porque eu sou assim - ouço sempre as coisas que já gosto e se ninguém me apresentar nada novo, tudo bem. Como eu disse, lembro muito bem de tudo. Quando eu saía do mar e me afastava com os fones nos ouvidos, o fazia porque sentia um vazio dentro de mim. Um vazio estranho. Eu não chorava, não me emocionava. Apenas sentia um vazio e ficava vendo o sol morrer de novo. Eu não estava apaixonado. Era como se eu estivesse. Era como se algo me faltasse e eu passaria a vida sem saber o que era. A música que eu ouvia pedia-me paciência. Falava sobre sentir falta, sobre chorar de saudade, sobre um futuro certo e bom, sobre não podermos acelerar o tempo, sobre não fingir, sobre não romper, sobre não suportar a dor do afastamento, sobre precisar de alguém. Alguém. Mas quem? O ano era 1990! Tudo que eu fazia era estudar e ir à praia com meus pais... Os anos se passaram e eu conheço este por-do-sol há vinte e quatro anos. Duas décadas e meia, quase. Desde dezembro de 1990 que não lhe assisto ouvindo aquela música. No sábado passado, 31 de agosto, eu saí sozinho de casa só para assistir ao meu por-do sol preferido. Não, não ouvi aquela música e não me senti vazio. Eu senti saudade, pela primeira vez neste por-do-sol, e entendi o que aquela música quis me dizer há vinte e quatro anos.

*Texto de Angelo Amaral