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domingo, novembro 27, 2011

Em Paz

Quando se trata de nós dois, a segunda coisa que eu mais quero nessa vida é te beijar, contar pra o mundo -e pra ti- o quanto eu te desejo quando você vem com esse jeans colado, ou quando você dança perto de mim com essa risada no rosto de quem está só se divertindo, mas com um rebolado sensual que diz exatamente como seu corpo me quer. Mas a primeira coisa que eu mais quero é que você continue na minha vida pra sempre. Eu vivo em cidade grande, pais separados, e mal ouço falar de casais pra sempre. Não assisto novela, mal vou ao cinema, porque não tenho tempo pra me enganar com essa superprodução caríssima de romances baratos. Não tenho tempo pra acreditar em amor eterno. Me desculpe, eu sei que você disse pra sua melhor amiga o quanto você me queria, e que eu era seu melhor amigo, e que você aprendeu num filme que, quando começa com amizade, tem tudo pra dar certo. E eu acho engraçado esse seu jeito firme de acreditar nas coisas tortas. Mas você não teve coragem de dizer isso pra mim, não sei bem o porquê. Talvez porque você, com toda essa pose de mulher crescida de capital, não sabe ainda correr atrás do que quer porque sabe que a nós, homens, nos restam ainda muitos ossos machistas e que prezam o orgulho da conquista. Mas, hei!, eu não seria assim com você, é claro que não. Não importa o quão cafajeste eu já tenha sido com alguém, não tem nada nesse mundo que eu preze mais do que essa nossa amizade. E é por isso mesmo que, quando eu ouvi que você me queria, num primeiro momento meu sangue aqueceu e minhas mãos procuraram afoitas o meu celular no bolso pra te ligar imediatamente. Porém, no momento seguinte, eu enrijeci, meu sangue congelou nas veias, e eu fiz o que deveria ter feito antes: fingi que não ouvi, ou que se tratava de um engano. Você sabe quanto tempo levou pra eu conhecer alguém como você? Tenho trinta e dois anos e, entre colegial, faculdade, trabalho e balada, você é a única mulher que permanece na minha vida e que me conhece por dentro. Não é que eu não tenha mais amigos. Mas é que eu não tenho mais ninguém como você. Você sabe que com os caras eu falo de futebol, de mulher, falo mal do meu chefe, e todo esse papo supérfluo. E é divertido. E eu sei que posso contar com eles. Posso. Posso, mas não conto. É com você que eu conto. Você é boa ouvinte, tem paciência, colo quente e mão leve pra me acariciar. E com ninguém mais eu me daria o direito de me expor. Nem mesmo com minha namorada. Pois o problema todo no amor é a exclusividade. E eu nem estou falando da exclusividade monogâmica, mas sim da especificidade da entrega. Necessita entrega completa e quase que pra uma pessoa só. Restam muito poucas coisas que se pode compartilhar com os outros. E é tão bom o que eu tenho contigo, pois se eu tenho uma semana cheia eu posso muito bem só pensar em ti e saber que eu te amo, e ainda assim não precisar ligar pra você só porque eu tenho obrigação de sentir tua falta. E é tão bom, depois de duas semanas sem te ver, chegar na minha casa e encontrar você na porta com uma pizza na mão, e entender o significado de saudade. É tão bom ir atrás de você e fazê-lo porque eu quero. E ter uma ou outra namorada, mas ainda assim só pensar em ti quando me deito, só me preocupar com você, porque é a quem eu quero o bem. E é por tudo isso que eu não posso nos sacrificar. Eu prefiro passar o resto da minha vida te desejando quieto, tendo apenas essa visão agradável enchendo meus olhos, te tendo só como amiga, te ver me esquecer e se apaixonar por outro, te ver se casar -pois você é menina de casar-, ter filhos, se afastar um pouco de mim, mas nunca deixar de ser minha melhor amiga. E a gente vai passar um tempo sem se ver, mas quando nos esbarrarmos no caixa do supermercado, vamos ter tanto pra lembrar; e vamos marcar um churrasco, e você vai me apresentar pros seus novos amigos na sua nova casa com seus filhos e seu marido e eu vou saber que fiz a coisa certa em te deixar ser feliz; e eu estarei feliz em poder ver isso, ainda que com um amor nostálgico e dolorido no peito. Eu prefiro tudo isso a arriscar tudo o que nós construímos e ver tudo se desgastar por obrigações, cobranças, um compromisso nonsense. A sinceridade vai se tornar perigosa, e nós vamos acabar brigando e não entendendo o porque de a coisa não funcionar, e aí nós vamos nos esquecer porque éramos tão amigos, ou porque nos amávamos tanto, e eu vou te perder pra sempre, e nós nunca mais seremos os mesmos juntos. Então nós vamos jurar que continuaremos sendo amigos, mas vamos nos afastar aos poucos. E então vamos parar de nos ver, de nos ligar, e de nos dividir. E, muito tempo depois, quando nos encontrarmos naquele caixa daquele supermercado, vamos trocar um sorriso sem graça, com polidez e certa indiferença, e o arrependimento por ter te perdido vai doer no meu peito.

Eu prefiro te ver feliz, porque eu não acredito em conto de fadas, mas você acredita e precisa de alguém que esteja disposto a tentar, em vão, viver um contigo. Enquanto isso eu vou sofrer de amor. Mas eu sou frio, e no meu peito esse amor vai doer em paz.

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