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segunda-feira, janeiro 07, 2013

As Últimas Flores...

Sentou-se no sofá meio zonzo, meio fraco, meio perdido. "Em estado terminal", o filho dela disse no telefone. Vinte e um anos depois da última vez que a tinha visto, não sabia o que esperar ao encontrá-la.
"Ela está em estado terminal. O médico sugeriu que ela se despedisse dos amigos e da família. Amanhã mesmo a levaremos pra casa... (Silêncio) Desculpe o incômodo... é que você continuou sendo a referência dela de família, de marido. Desculpe se estou sendo inadequado ou algo..."
"Não, de forma alguma. Fez muito bem em ligar!"
"Bem, se quiser, pode visitá-la amanhã de manhã..."
"Não. Irei hoje mesmo... pode me passar o nome do hospital, número do quarto, por favor?" [...]
Se arrependeu de ter prometido ir ainda hoje. Não sabia o que fazer, como se comportar. Não é como se pedir desculpas a essa altura fosse ser de alguma serventia. Sentia vergonha.
Imaginava o quanto ela deveria ter sofrido depois que ele a deixou. Com o filho recém-nascido, desempregada, morando num casebre alugado. Como, depois de tudo, ele poderia continuar sendo a sua referência de família?
Não se arrependia. Não. Faria tudo de novo. Era uma questão de sobrevivência, e aquilo, pra ele, não era vida. Nunca foi. Era pior do que morrer. Era como estar morrendo a todo o tempo, incessantemente, mas sem o alívio, sem o vazio, sem a anestesia. Foi-se embora porque não poderia lidar com outros dois seres humanos retirando dele o resto de suas energias, tempo, saúde e dinheiro. Dois seres frágeis dependendo dele. Era um peso muito grande, e partir, sem sombra de dúvidas, seria o melhor pra todos. Enfim, não se arrependia.
Mas sentia vergonha. Não saberia como olhar nos olhos dela. Nem nos olhos do filho dela. Não deles: dela, apenas. Ele não tinha participação nenhuma no fato de o bebê ter se tornado um homem. E um homem forte, aparentemente.
Não saberia o que dizer. Ele não lamentava por ter partido. Mas sentia muito pelas consequências daquilo pros dois.
Até então era fácil lidar com isso. Quase nem pensava no seu passado, já tão longínquo. Mas agora ele estava sendo obrigado a vê-la prostrada, moribunda, ainda mais frágil do que quando a deixou. Não conseguiria não se ver como único responsável por tal estado, se ele saiu e a deixou de um jeito e, agora, ao voltar, a encontraria ainda mais decadente. Ele não a acompanhou ao longo de sua trajetória, não seguiu as evoluções, e temia que as imagens pontuais dos dois extremos da vida, colocadas lado a lado, pudessem atormentar sua consciência, colocando-o como o culpado. E ele não era. Não poderia ser...
Tomou fôlego e, junto, alguma coragem. Levantou-se, enfim, pegou as chaves e caminhou até o carro.
Trancou-se dentro do seu Audi A8 e, ao tentar dar a ignição, viu-se, de novo, paralisado. Precisava saber o que dizer quando a visse...
Teve uma ideia... passou pela floricultura e comprou orquídeas. Era um gesto muito bonito, com certeza. Levar flores era reconfortante. Isso o pouparia de dizer muita coisa: as flores falavam por si, só.
As flores seriam o conforto para a alma da mulher. Representavam o que restou de belo do passado, representavam todo o encanto do que poderia ter sido, representavam a esperança de algum milagre repentino.
E pra ele, pra sua vergonha, pros seus ombros, pra sua consciência, representavam o alívio.
Seus ombros de repente ficaram leves, seus pensamentos ficaram em paz, e ele, com o peito cheio de honra e de orgulho de si, foi fazer esse último e bondoso gesto à mulher que tanto o amou um dia.

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