Ele desceu as escadas do escritório às 16h como de costume. E, como de costume, não voltou pra casa. O celular vibrou. Ele rejeitou a ligação e mandou a mensagem típica: 'Estou em reunião'.
Ela terminou de lavar a louça do almoço nas exatas 16h, como acontecia todo santo dia. Ela olhou em volta. Tédio. Ninguém. Mas que bom, eu tenho alguém que me ama. Isso basta, não? Vou ligar pra ele...
Ele sacou o telefone, ligou pra outra. Chamou, chamou e nada. Então ele entrou no carro e se dirigiu à casa dela, como sempre fazia. Decidiu tentar uma SMS.
Ele estava em reunião. Então ela se sentou no sofá pensando em como a sua vida era vazia. A sua única paz era a presença dele. Apenas. Se acostumara tanto com aquilo que desconhecia qualquer outra forma de vida. 'Só mais umas duas horas até ele chegar, calma...'
Ele digitou a mensagem: "Tô morrendo de saudade, Ju... já tô indo pra tua casa, meu amor... me atende logo. Prepara algo pra comermos que hoje eu posso ficar até mais tarde, falei pra 'ela' que tô em reunião."
Ela recebeu uma mensagem estranha no celular: "Tô morrendo de saudade, Ju... já tô indo pra tua casa, meu amor... me atende logo. Prepara algo pra comermos que hoje eu posso ficar até mais tarde, falei pra 'ela' que tô em reunião."
Ele se deu conta, de repente, que enviou a mensagem pro número errado. 'E agora, o que faço?'. Não tinha muito o que ser feito. Parou o carro, respirou fundo, pensou em alguma mentira satisfatória para o ocorrido... mas estava tão nervoso que não conseguia pensar em absolutamente nada.
Ela se perguntou sobressaltada 'quem é Ju?'. Depois, indignada 'eu sou 'ela', assim, com aspas?'. Enfim, fez a pergunta certa: 'quem é este homem que eu amo?'.
Ele decidiu ligar de volta pra pedir desculpas pela mensagem que o amigo enviou pelo seu celular e esqueceu de assinar e acabou mandando pro número errado e que poderia causar algum transtorno caso ela entendesse mal. Mas ela não atendeu.
Ela, com sua autoestima no ponto mais baixo da escala internacional de autoestima, com a depressão no seu ápice, se perguntava o porquê. O que tinha feito de tão errado. E agora, o que faria?
Ele deu meia volta no carro. 'Droga, o que eu menos preciso agora é de uma discussão. Nossa, e se todo mundo ficar sabendo vão me crucificar... E meus pais? Droga, na festa de família semana que vem, como eu vou contar pra eles se ela não quiser ir comigo?'
Ela, conclusiva, sentou-se no sofá e começou a repetir 'Eu não posso viver sem ele. Eu não sei. Simplesmente não sei. Mas isso é demais. É demais pra mim. O que eu faço agora?'
Ele, uns vinte e cinco minutos depois, estacionou na porta de casa e nem trancou o carro quando entrou em casa. Gritou por ela desesperadamente. 'Mas ela com certeza foi pra casa de alguma amiga...'. Ele se esqueceu de que ela não tinha amigas.
[...]
Ele, sentado no sofá, apreciando compulsoriamente o silêncio da casa, ouviu gotas de água caindo. De onde vinham? Ele tentou seguir o barulho, chegando rapidamente no banheiro. E lá estava ela, numa banheira cheia de sangue, com os pulsos muito bem cortados, o rosto patético e uma faca de cozinha jogada de lado.